Educação

A universidade 
não cria liberais

Ex-professor de Harvard 
Neil Gross analisa por que acadêmicos dos EUA 
são mais progressistas

|
| |
Apoie Siga-nos no

O setor acadêmico de Ensino Superior dos Estados Unidos mantém há décadas a reputação de bastião do pensamento político de esquerda e liberal. Algo que, aos olhos dos conservadores, torna as universidades daquele país antros de silenciamento de vozes contrárias. Mas essas instituições formam mesmo pessoas mais liberais? “Por muito tempo, cientistas sociais acreditaram que sim. Até que pesquisas recentes rebateram essa ideia”, diz Neil Gross, ex-professor da conceituada Universidade  Harvard, a Carta Educação.

Essa reputação liberal virou tema de pesquisa de Gross e rendeu o livro Why Are Professors Liberal and Why Do Conservatives Care? (Por Que os Professores São Liberais e Por Que os Conservadores se Importam?). Atualmente docente de Sociologia na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, o professor diz nesta entrevista que o setor emprega mais “progressistas” porque sua imagem atrai estudantes liberais. “Não há muitos professores conservadores nos EUA porque não existem muitos conservadores que vão à universidade obter Ph.D.”

Carta Educação: Aproveitando a deixa do título do seu livro, por que os professores são liberais?

Neil Gross: Algumas das teorias mais famosas sobre o tema não têm muita força explicatória. O fato de os professores possuírem um nível educacional elevado e de a educação aparentemente inclinar às tendências políticas mais para a esquerda não é muito explicativo. A verdadeira razão pela qual não há muitos professores conservadores, ao menos nos EUA, é porque não existem muitos conservadores que obtêm Ph.D. Ao longo do tempo, algumas profissões ganharam reputação pela política típica de seus membros. E, durante o século XX, a academia construiu uma imagem liberal. Essa reputação interessa mais a estudantes progressistas que podem considerar a carreira de docente. Para um aluno conservador, por outro lado, essa opção não é muito atraente. A inclinação à esquerda dos professores virou um fenômeno autoproduzido.

CE: Na campanha presidencial dos EUA de 2012, o candidato republicano Rick Santorum chamou Barack Obama de “esnobe” por defender que todos os americanos fossem à universidade. Para ele, os professores universitários são doutrinadores liberais. O Ensino Superior cria liberais?

NG: Por muito tempo, cientistas sociais acreditaram que sim. Recentemente, porém, pesquisas sugeriram que essas estimativas foram supervalorizadas. Há algumas evidências de que, quando a pessoa cursa o Ensino Superior, sua visão muda para uma direção mais progressista. Por outro lado, outras pesquisas mais profundas com universitários e não universitários indicam que essa concepção também foi superestimada. Pessoas com Ensino Superior completo tendem a ser mais liberais, mas grande parte disso se explica pelo fato de que indivíduos mais liberais no Ensino Médio têm mais chances de completar a educação superior. Em outras palavras, não há evidência concreta de que as pessoas se tornem muito mais liberais na faculdade.

CE: Há áreas de ensino mais propícias para professores conservadores, como administração, engenharia e economia?

NG: Há variações substanciais nos posicionamentos políticos conforme as disciplinas ensinadas. As Ciências Sociais são a área mais ligada à esquerda. Economia é uma exceção. Conforme se analisam áreas de ciência mais aplicada, como engenharia e negócios, tende-se a encontrar mais conservadores.

CE: O que explica essas variações?

NG: As Ciências Naturais não são tão liberais quanto as Ciências Sociais. Ainda assim, os professores daquelas são mais liberais do que a população em geral. E por que há uma diferenciação entre campos? Fundamentalmente, isso está relacionado às conexões entre as disciplinas e outras áreas da sociedade. As disciplinas mais ligadas aos setores conservadores da sociedade tendem a reunir um elenco mais conservador. As mais ligadas a questões sociais e artes atraem mais liberais.

CE: Em seu livro, é citada uma professora que leva convicções políticas pessoais para a sala de aula. O senhor acredita que um ensino superior “direcionado”, seja para a esquerda, seja para a direita, é um problema?  

NG: A educação superior é uma empresa muito diversa. O que é apropriado em uma área pode não ser em outra. Há muitas instâncias nas quais professores falarem de suas concepções políticas em aulas pode ser algo proveitoso. Em algumas ocasiões, isso pode levar ao pensamento crítico. Porém, o Ensino Superior dos EUA tem um problema de percepção. Os conservadores acreditam que ele não ensina o que deveria e que a pesquisa é ideológica. Isso é algo falso, mas não temos sido convincentes em persuadir os críticos. Uma preocupação ao ensinar com influência política é que se cria uma impressão de doutrinamento, mesmo que isso não esteja ocorrendo. Entretanto, muitos professores levam a sério a tentativa de não doutrinar seus alunos, focando apenas em ensinar os conceitos de suas áreas.

CE: O senhor diz que a ânsia dos conservadores em atacar os liberais no mundo acadêmico é uma hipocrisia. Podemos justificar isso pelo fato de eles também inserirem tendências políticas em suas aulas?

NG: Certamente, há lugares na educação superior onde os conservadores podem ensinar ideias que consideram importantes. Mas existem muitos tipos de conservadores e de críticos. Da forma como veem, a educação superior é comandada por pessoas de esquerda, o que eles acham injusto. Se alguém estivesse ensinando visões políticas diferentes das suas, você obviamente ficaria chateado, mas isso não explica todos os aspectos dos ataques.

CE: Esses ataques refletem algo do macarthismo, quando as pessoas de esquerda nos EUA eram vistas como comunistas e consideradas traidoras?

NG: Há esse aspecto da história. No tempo do macarthismo, esse viés era usado não somente contra professores, mas também contra funcionários do governo e atores de Hollywood. Ainda existe alguma influência daquele conceito. Ao olhar as ondas de oposição a professores liberais ao longo do tempo, algumas estão no período do macarthismo. Mas houve outras nos anos 1980 e 1990 e também após os atentados de 11 de setembro de 2001.

CE: Os professores do Ensino Superior são, de fato, mais liberais ou esse posicionamento está mais relacionado a concepções pessoais de vida?

NG: Isso pode variar conforme o país. Nos EUA, profissionais altamente qualificados tendem a ser mais liberais e democratas. Os professores, no entanto, tendem a ser ainda mais democratas e mais liberais do que esses profissionais. A razão para isso é que os liberais são mais propensos a se tornarem professores. Ser professor não faz de alguém um liberal.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo