Educação

Ocupação de escola na Cracolândia quer ‘inaugurar’ sala de leitura

Alunos tentam impedir transferência do Ensino Médio para unidade distante e usar salas de leitura e informática que estão trancadas

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Portão de entrada da Escola Estadual João Kopker escola estadual ocupada nesta segunda-feira
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Pessoas dormem e consomem drogas sem chamar atenção de ninguém ao lado da Escola Estadual João Kopke, em Campos Elísios, centro de São Paulo, uma das unidades ocupadas pelos estudantes nesta segunda-feira. No portão, cartazes em cartolina contra a reorganização anunciada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) na rede estadual.

Leia também: Ocupações colocam reorganização em xeque

Os estudantes se inspiraram na ocupação da Escola Estadual Fernão Dias, em Pinheiros, uma das áreas mais nobres de São Paulo. Em vez da corrente de policiais em volta do prédio, no entanto, apenas duas viaturas acompanhavam o movimento do outro lado da rua da escola na Cracolândia.

Escola João Kopker fica em plena Cracolândia Escola João Kopker fica em plena Cracolândia

Pelos planos do governo, a partir de 2016, ficariam ali os 600 alunos de Ensino Fundamental 2 ao lado de novos estudantes oriundos de escolas fechadas da região. Os 400 estudantes de Ensino Médio seriam transferidos para a Escola Estadual Fidelino Figueiredo, a exato 1,5 quilômetro, distância máxima prevista pelo plano de reorganização.

Os alunos se organizaram durante o fim de semana via Whatsapp. Um grupo chegou às 6h30 e avisou aos professores e demais que não haveria aula. Metade aderiu, metade gostaria de estudar, especialmente porque já passaram três meses sem aulas durante a greve dos professores no primeiro semestre.

Polícia monitora movimentação à distância Polícia monitora movimentação à distância

Do lado de dentro, uma carteira escolar foi instalada no portão e um grupo de estudantes decide quem entra. A reportagem foi autorizada.

As salas de aula ainda estavam com a matéria na lousa e a servente que já havia iniciado o expediente acabou ficando na cozinha. “Mas quem fez a comida foram eles”, diz, complementando que serviram duzentos pratos durante a manhã.

Geovana, 16 anos, estuda desde o 6º ano e nunca entrou na sala de leitura Geovana, 16 anos, estuda desde o 6º ano e nunca entrou na sala de leitura

“A partir de amanhã, a gente se vira sozinho”, diz Geovana Gomes Cardoso, 16 anos. Ela está no 2º ano do Ensino Médio e estuda na unidade desde o 6º ano. Conta que uma das metas é abrir as salas de leitura e informática. “Na sala de informática, fui uma vez este ano. Na de leitura, nunca fui, só vi da porta no dia que entrei aqui, mas nunca nos deixaram usar”, conta.

A escola já teve duas salas fechadas no início do ano. Segundo os alunos as turmas tem mais de 50 nomes na lista e cerca de 35 que realmente comparecem. “Eu quero continuar aqui, do jeito que está. Os professores são bons e nos conhecem há tempos”, diz Bruno Cardoso, de 15 anos, há 5 anos aluno da João Kopke.

“Quero esta melhoria de qualidade em investimento. Por exemplo, não tive aula de Filosofia o ano inteiro. Fechar resolve isso?”, questiona.

A professora de Língua Portuguesa, Andréa Cristina Gonçalves, não entrou para trabalhar, mas ficou na calçada. A cada dois minutos recebia um abraço de aluno ou ex-aluno. “Acho positivo eles lutarem. A escola é para eles, se eles acham melhor ficar no mesmo lugar, deviam ser ouvidos.”

Quando os estudantes do Fundamental 2 chegaram para estudar à tarde, uma comissão explicava que não haveria aula. Um comemorou “da hora as férias começaram mais cedo”, outros se preocuparam.

Gabriel Ferreira dos Santos, 14 anos, conta que estudava em uma escola particular até 2013 e pediu para a mãe para colocá-lo na pública. Agora, no 9º ano, quer ir para outra particular. “Queria ver como é, mas não foi bom. Este ano a gente já passou três meses sem aula, fora as aulas que faltam às vezes”, comenta.

Leonardo Fernandes, 15 anos, não têm a opção de ir para uma particular. Por isso, tem investido em ingressar em uma Escola Técnica Estadual (Etec). “Em casa tenho estudado. As aulas fazem falta”, lamenta, acrescentando que ficou cinco meses sem aula de Língua Portuguesa por falta de professor, além de faltas frequentes de Língua Inglesa.

As ocupações de escola, no mínimo, triplicaram nesta semana. Na semana passada eram sete e, nesta segunda-feira (16) há notícias de um total de 28, incluindo prédios ocupados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.

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