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Gestor ambiental e cozinheiro, Guilherme Ranieri ensina a encontrar plantas comestíveis em lugares comuns

Guilherme Ranieri|Guilherme Ranieri
Em sua chácara Guilherme Ranieri
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Batidas com um pouco de limão e água e cozinhadas em fogo brando com açúcar, as pétalas da gardênia transformam-se em uma geleia perfumada. Cortadas finas e refogadas, as folhas jovens de hibisco (Hibiscus rosa-sinensis) podem substituir a tradicional couve como acompanhamento. A flor pode ser adicionada à salada.

Os brotos e as folhas serrilhadas do picão (Bidens pilosa), planta de crescimento rápido e disponível o ano todo, funcionam tanto cozidas, refogadas ou desidratadas. O sabor, garante Guilherme Reis Ranieri, lembra aquele do espinafre.

“Estima-se que existam perto de 26 mil espécies comestíveis, mas, em geral, consumimos uma quantidade muito pequena”, afirma o gestor ambiental, cozinheiro e criador do site Matos de Comer, dedicado a promover na internet a biodiversidade alimentar e a divulgar espécies próprias para consumo, geralmente, desconhecidas do grande público.

A lista e as possibilidades gastronômicas das plantas alimentícias não convencionais são enormes. “A guasca (Galinsoga parviflora) lembra a alcachofra. Ela nasce em qualquer calçada e é incrível na cozinha. Já o lírio-amarelo (Hemerocallis flava), muito usado em paisagismo, quando preparado na frigideira adquire um sabor que lembra um bife acebolado”, exemplifica.

Guilherme Ranieri

Desde criança, Ranieri, de 25 anos, dedica-se a descobrir, cultivar, estudar e, mais recentemente, cozinhar todo tipo de plantas alimentícias não convencionais. Tratam-se de vegetais em geral ausentes dos pratos e panelas, mas disponíveis em profusão em terrenos baldios, calçadas, quintais e praças. Identificados e preparados da maneira correta, são saborosos e fazem bem ao organismo.

Milhares de espécies de plantas foram utilizados para a alimentação humana ao longo da história. Atualmente, entre 150 e 200 são cultivadas em massa e não mais do que três espécies, arroz, trigo e milho, suprem quase 60% do consumo global de calorias e proteínas de origem vegetal.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), estima que 75% da diversidade genética das plantas cultivadas se perdeu desde o início do século XX.

“A maior parte da nossa alimentação é baseada em plantas exóticas, oriundas de outros continentes. Na verdade, consumimos o que os colonizadores trouxeram. No mundo todo, os pratos são diferentes, mas as plantas, as matérias-primas, são as mesmas”, diz Ranieri.

Por desconhecimento ou falta de interesse econômico, explica, excluímos grande parte das espécies, várias delas descobertas por comunidades rurais ou indígenas. Há muito preconceito e resistência, acredita o gestor ambiental, na hora de escapar do convencional quando o assunto é comida. “No México, um prato muito versátil é a salada de cacto. No Brasil, o cacto é considerado inferior. Ele é saboroso, nutritivo, rico em cálcio, mas tratado como um alimento de subsistência.”

O interesse pela biodiversidade alimentar brotou por causa de uma muda de major-gomes (Talinum paniculatum) que, por acaso, cresceu em seu jardim. Ranieri acabou por descobrir que a planta era comestível. A raiz da inquietação atravessa, porém, gerações.

Em Itu, interior de São Paulo, a bisavó Ana carregava uma faca, acompanhada de uma sacola de pano, para não perder a oportunidade de colher uma muda, coletar uma semente ou cortar galho de plantas encontradas pelo caminho.
Ranieri desenvolve seus experimentos em uma pequena chácara da família na mesma cidade. Em uma horta com cerca de 30 metros quadrados, abrigada pela sombra de uma jaqueira e um jambolão, ele cultiva espécies como o cará-moela (Dioscorea bulbifera), a chaya (Cnidoscolus aconitifolius) e a taioba (Xanthosoma sagittifolium). Da horta saem os produtos comercializados em sua loja virtual.

O pesquisador recomenda cuidado na hora de experimentar. O primeiro passo, descreve, é reconhecer a planta. Observar suas características e saber diferenciá-las, à maneira dos botânicos, é um bom começo. “As plantas não vêm com rótulo. É preciso estudar e aprender a identificá-las.”

Em grandes cidades, principalmente, há o risco de contaminação ambiental, química ou biológica. A primeira pode ser ocasionada por pesticidas, agrotóxicos, metais pesados, combustíveis ou resíduos de indústrias. A outra é causada por micro-organismos. A recomendação é não consumir plantas colhidas perto de postos de gasolina, grandes avenidas, esgotos e áreas do tipo.

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