Educação

Como lidar com a polarização política dentro da escola?

Educadores falam sobre desafio em manter diálogo frente a hostilidades que atingem também alunos

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A escola, microcosmo da sociedade, é também o espaço no qual as crianças deixam o igual para conviver com o diferente. Ao sair de casa, onde todos a grosso modo pensam de maneira igual quando não falam e se vestem de um jeito igual, o aluno se depara no ambiente escolar com novas pessoas, universos diferentes e valores nem sempre condizentes com os seus. O problema é que conviver com o diferente, algo teoricamente natural e esperado em um mundo heterogêneo, parece cada vez mais difícil nos dias de hoje.

A intolerância e tensão presentes na boca dos adultos nas ruas, bares, restaurantes, transportes públicos e também dentro de casa vêm contaminando as crianças. Relatos recentes mostram que a reprodução de um discurso pautado pela intransigência política e sem qualquer possibilidade de diálogo entre partidários do governo da presidenta Dilma Rousseff e opositores vem sendo protagonizada também pelos pequenos no ambiente escolar.

De um garoto de 9 anos hostilizado e chamado de petista na escola de inglês por vestir uma camiseta vermelha com a bandeira da Suíça a uma menina do 4º ano retaliada quando questionou por que os colegas de sala gritavam “Morra, Lula! Dilma na cadeia” e uma professora em Curitiba que pediu afastamento após ser ameaçada por ter se posicionado contrária a uma manifestação pró-impeachment feita por alguns estudantes, situações cada vez mais constrangedoras exigem do educador um papel desafiador. Como, porém, delimitar a linha que separa a educação que recebemos em casa daquela a ser desenvolvida na escola?

Autor de Por uma pedagogia da dignidade – Memórias e reflexões sobre a experiência escolar (Summus Editorial) e professor da Faculdade de Educação da USP, José Sérgio Carvalho observa que, em vez de desafiarmos a atual crise política pelo esforço de compreensão, costumamos responder a ela com slogans e clichês que nos impedem de refletir.

“Ora, se os adultos se recusam a pensar e examinar criticamente suas convicções, se expor a argumentos e correr o risco de ter de abandonar suas certezas, é muito provável que o mesmo se passe com as crianças. O pensamento crítico se desenvolve pela exposição reiterada à reflexão”, observa. “Nesse sentido, parece-me que a maior parte das crianças chega à sala de aula com uma visão bastante simplificada e maniqueísta do momento em que vivemos.”

Doutora em políticas sociais pela PUC-SP e educadora popular do Instituto Paulo Freire, Francisca Pini alerta para o problema que a pouca informação e capacidade de análise podem causar. “As informações da mídia são simplesmente jogadas, sem haver uma contextualização e, consequentemente, capacidade de opinar”, critica. “A aposta deve ser em uma educação na qual possam ser construídos valores como direitos humanos, dignidade e aprendizagem política, para as crianças aprenderem a se posicionar.”

Mais do que a argumentação, dentro do ambiente escolar o que mais tem chamado a atenção de Ana Cláudia Crivellaro, orientadora educacional do Ensino Fundamental do Colégio Rio Branco, é a falta de respeito e intolerância, algo que não é ensinado nas salas de aula. “A instituição família é a primeira da qual aluno faz parte, então essas primeiras orientações devem vir de casa. A escola acaba complementando isso, mas de casa vêm muitos valores e virtudes”.

Denise Jardim, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental II da Stance Dual School, conta que um dia depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sido indicado para ocupar o posto de ministro-chefe da Casa Civil, alguns alunos de 12 anos de idade foram para a escola vestidos de preto e com os rostos pintados com “Fora PT”, o que a levou a pedir que trocassem a roupa pelo uniforme e limpassem os rostos.

“Discutimos com eles e falamos que a escola é um espaço neutro, enquanto existem outros lugares para eles se manifestarem, como as ruas”, lembra. Ela ressalta ainda que a conversa com alunos do 6º ao 9º ano abordou a importância de se respeitar as diferenças de opinião, enquanto no dia seguinte a coordenação realizou uma atividade didática para explicar conceitos como República, democracia, impeachment, golpe, eleição direta, reeleição, os três Poderes. “Foi importante porque eles vão ouvindo tudo isso e, na verdade, nem sabem do que se trata. Um deles, inclusive, chegou a dizer: ‘Mas por que a minha mãe não tem essas informações?'”, conta ao acrescentar que uma turma pensava ser Aécio o próximo presidente caso Dilma deixasse o cargo.

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Sem, portanto, qualquer luz no fim do túnel a curto prazo que sinalize o fim de uma era polarizada politicamente, educadores têm pela frente o contínuo desafio de pensar estratégias para deixar as “contaminações” trazidas pelos alunos de casa do portão da escola para fora.

Nesse sentido, Carvalho aponta que a crise deve ser encarada como um “momento de oportunidades e não necessariamente um desastre”. “Essa pode ser uma oportunidade de compreender os dilemas e os caminhos do presente, desde que tenhamos coragem”, ressalta. “Um aluno submetido a um discurso esvaziado de reflexão, oriunda de seu ambiente privado, tem poucas oportunidades de exame crítico de suas convicções sem a escola.”

Na sala de aula, ele afirma, são diversas as opções para se trabalhar, levando em conta as próprias disciplinas. “Creio que a compreensão da constituição histórica de nosso País é chave para nos situarmos no presente. Nesse sentido, a leitura de um conto de Machado de Assis, a narrativa de episódios como o golpe de 1964, dentre outros conteúdos escolares, podem ser elementos muito mais propícios a desencadear reflexões sobre o presente do que certo tipo de proselitismo político.”

Enquanto Denise aponta o uso da linguagem descritiva como uma ferramenta interessante para o professor que terá de trabalhar de forma objetiva para desassociar, por exemplo, cores de partidos políticos, Ana lembra que o educador sempre deve buscar ser um mediador ao mostrar que ambos os lados de um conflito têm uma opinião a ser respeitada. Uma vez que os insultos ou agressões persistam, os pais devem ser chamados para uma conversa com a equipe pedagógica da instituição de ensino.

“No momento no qual a sociedade se defronta com uma odiosidade que beira o reacionarismo, o desafio colocado aos educadores é trabalhar em uma perspectiva de educação de direitos humanos, pautada pela igualdade, sem distinção de gênero, etnia, orientação sexual e, principalmente, política”, conclui Francisca.

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