Educação

Os donos da história

Projetos transformam moradores em protagonistas da narrativa de suas cidades

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Uma tenda branca armada no ponto mais movimentado da cidade desperta a atenção dos transeuntes. Entre curiosos e desconfiados, alguns decidem espiar o que acontece lá dentro e se deparam com um convite: me conta a sua história? À entrevista, acrescentam-se fotografias e vídeos. Eis um resumo do projeto Moradores – A Humanidade do Patrimônio Histórico, movimento de ocupação urbana no qual o morador é chamado a se reconhecer como patrimônio cultural de sua cidade.

Criação do coletivo NITRO + ALICATE, de Belo Horizonte, o projeto surgiu em 2012 e tem como autores os fotógrafos Marcus Desimoni e Bruno Magalhães, o jornalista Gustavo Nolasco e o cineasta Alexandre Baxter. “Quando o turismo chega às cidades históricas, seus moradores acabam virando prestadores de serviço e a história deles naquele lugar, se perdendo. A gente defende que a memória, a particularidade dessas pessoas seja preservada, pois é um ativo único daquele lugar”, explica Nolasco. Daí a brincadeira no nome do projeto – “A Humanidade do Patrimônio Histórico” em vezde “Patrimônio Histórico da Humanidade”.

A iniciativa já visitou municípios como Outro Preto (MG), São João del Rei (MG), Tiradentes (MG), Paraty (RJ), Joaquim Egídio (SP), Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), entre outros. “Quando fazemos o convite, as pessoas, geralmente, começam a contar a história da cidade. Então a gente diz ‘não, quero saber a sua história’. Porque a partir do momento em que você começar a contar a sua vida eu vou começar a entender um pouco da história da sua cidade. Quando a gente fala isso, é mágico. Elas percebem que a trajetória delas é importante.”

O cartão-postal das cidades visitadas vira então palco de uma exposição com as fotos dos moradores em grandes dimensões. “Por exemplo, em Ouro Preto, a gente ocupou a Praça Tiradentes e encheu de painéis com as fotografias. Então era impossível um turista visitar a cidade e não ver ou captar nas suas fotos os moradores de Ouro Preto”, conta o jornalista.

Outro projeto criado com proposta semelhante é o Humans of São Paulo, com páginas no Facebook e tumblr dedicadas a encontrar e divulgar histórias extraordinárias de pessoas comuns vivendo na maior cidade da América do Sul. Inspirada na página americana Humans of New York, a iniciativa está no ar desde julho do ano passado e integra o projeto Humans of Planet Earth, plataforma que reúne histórias de anônimos ao redor do mundo. “A ideia foi do meu amigo Edson Weslenn. São Paulo tem mais pessoas do que Nova York. Então, por que não começar um projeto semelhante aqui? Com certeza haveria tanta gente interessante para entrevistar quanto se encontra por lá”, conta Bruna Fernandes, uma das idealizadoras da página.

A intuição dos amigos estava correta. Até o momento, já foram publicadas cerca de 180 histórias, tão diversas quanto são os habitantes da capital paulista. São histórias de amor, superação, descoberta e, claro, sofrimento. “Nós andamos pela cidade e paramos qualquer pessoa que chame nossa atenção, seja por algo que está fazendo, usando ou que simplesmente pareça não estar com (tanta) pressa. Mas também já aconteceu de pessoas virem falar conosco, nos perguntar o que estamos fazendo e acabarem entrevistadas. Quando você começa a conversa, sempre surge algo interessante”, conta Bruna.

A cada novo depoimento, um olhar mais atento e carinhoso para com o outro que, tantas vezes, nos é invisível na correria e apatia cotidiana. “Nós nem imaginamos o quanto cada pessoa tem a nos ensinar e a ideia da página é mostrar um pouco disso. Conheci várias pessoas que me marcaram. Mas acho que o maior aprendizado foi aprender a escutar melhor, dar mais atenção aos outros”, diz Bruna.

Já na plataforma multimídia Mapas Afetivos, as histórias das pessoas são contadas a partir de lugares nas cidades que são especiais para elas. O site reúne depoimentos de cidadãos comuns e outros famosos e seus lugares preferidos em São Paulo e outras cidades do Brasil e do mundo. “O Mapas Afetivos veio de um brainstorm após uma reunião com um secretário de uma cidade que queria contar algumas histórias de ilustres cidadãos e suas relações com pontos turísticos. A reunião ficou por ali mesmo, mas percebemos o que era a ponta de algo muito maior, que era a história dos lugares através dos sentimentos de quem os vive. Uma esquina onde nasceu um amor, uma lembrança da infância em um parque”, conta Felipe Lavignatti, idealizador do projeto ao lado de Andre Deak.

O projeto existe desde o ano passado, mas foi lançado oficialmente neste ano, na ocasião do aniversário da cidade de São Paulo. Estão disponibilizados em formato de vídeo dez depoimentos iniciais, um número que deve crescer nos próximos meses. “Queríamos pessoas que representassem a diversidade da cidade (idosos, jovens, imigrantes, casais, pai, filha,) e procuramos também mesclar ilustres, como a cantora Tulipa Ruiz, com anônimos”. A ferramenta, entretanto, é colaborativa; ideia é que todos colaborem, seja lá qual for o perfil enviando sua história para a plataforma.

Para além do ambiente da web, são realizadas intervenções artísticas pelas cidades, produtos audiovisuais e exposição fotográfica. “Queremos contar essas relações de lugares, pessoas e sentimentos. E o site é o começo disso. Queremos levar ele para fora de São Paulo e ampliar esse mapeamento de emoções georreferenciadas no próprio site, em aplicativo, ações nas ruas, livro, documentário. É um projeto pensado para ser transmídia”, explica Lavignatti. A ideia é mostrar que todo ponto de uma cidade pode estar registrado na memória de uma pessoa como um momento incrível.

A maior aprendizagem até o momento? “Para a gente é aprender a ver a cidade com outros olhos, descobrir beleza e poesia onde poucos conseguem, como uma história de amor num bar sujo da Rua Augusta ou a delicadeza de uma rua com trânsito como a Doutor Arnaldo. É quase um guia turístico onde as atrações são as memórias das pessoas. Temos certeza que todo mundo tem alguma para contar.”

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