Educação

Maria Farinha Filmes: causas 
na telona

Produtora de Muito Além do Peso e Tarja Branca leva ao cinema discussões sociais

Tarja Branca|Grupo explora o cotidiano em uma geração que trocou o brincar pelo consumir
|Bastidores de Tarja Branca: documentário discute a ausência do lúdico tarja branca filmes cinema maria farinha filmes|Maria Farinha filmes questões sociais lúdico brincar consumir
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“Eu via a arte sendo tratada como uma coisa banal e comercial. Queria fazer diferente porque ela tem responsabilidade muito grande sobre a sociedade.” Separada assim, a frase de Luana Lobo, de 29 anos, pode parecer restrita ao campo do idealismo, mas os resultados da empresa onde ela é uma das diretoras, a Maria Farinha Filmes, mostram uma realidade bem concreta.

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Entre outros projetos sociais, a produtora levou às salas de cinema dois documentários com discussões relevantes e, no caso, sobre temas espinhosos. Primeiro a estrear na telona, Muito Além do Peso, de 2012, tratou da obesidade infantil. No filme, a epidemia de sobrepeso que atinge uma em cada três crianças brasileiras é mostrada em várias regiões do País, inclusive em casos aparentemente impensáveis como o de um índio na Amazônia com o problema. Os responsáveis pelos maus hábitos alimentares que acarretam a obesidade entre as crianças são apontados na sociedade, na indústria e na publicidade nessa obra dirigida por Estela Renner, também diretora da Maria Farinha.

Este ano, outro documentário chama  atenção ao trazer um tema à margem da rota comercial do cinema. Tarja Branca, dirigido por Cacau Rhoden, fala sobre a diminuição do lúdico no cotidiano de uma geração que trocou o brincar pelo consumir. Em setembro, dois meses após seu lançamento, o filme ainda estava em cartaz em algumas salas da capital paulista, mas também constava entre os documentários mais baixados na loja iTunes e acessados na Netflix. Ao mesmo tempo, exibições gratuitas começaram a ser feitas em seminários, ONGs e escolas.

Segundo Luana, a estratégia de colocar o documentário na rede atende a dois propósitos: alcançar o maior público possível e mostrar que há interesse por filmes que abordam assuntos sociais. “Quanto mais gente vê, mais se comenta e aumenta a procura”, afirma. Além disso, foi o sucesso na internet o responsável pela própria produtora.

A história da Maria Farinha começa em 2008, depois de Estela ter sido contratada para filmar videoaulas para o Instituto Alana, organização de defesa da infância. Juntos, ela e Marcos Nisti dirigiram Criança, a Alma do Negócio, documentário que mostra como as crianças são bombardeadas por mensagens direcionadas a elas para estimular o consumo e questiona a publicidade infantil. O longa aproximou a cineasta, formada nos Estados Unidos, e que, ironicamente, até então trabalhava dirigindo publicidade, de Nisti, o terceiro diretor da produtora e vice-presidente do Instituto. “No início da carreira, com meus filhos pequenos, resolvi esperar para fazer longas-metragens, devido ao longo tempo fora de casa. Aprendi muito com publicidade e continuo fazendo, mas nunca para crianças”, lembra Estela.

O filme, disponibilizado apenas online, teve 1,5 milhão de visualizações, abriu portas, uniu de vez a dupla e marcou o início da produtora. “Diziam que as pessoas não gostavam desse tipo de tema, mas depois que isso foi capa em todos os jornais e destaque na televisão, a receptividade começou a mudar”, conta Luana, a última a chegar ao time.

Ela conta que foi estudar cinema nos EUA, trabalhou na Fox International e voltou disposta a aplicar o que aprendeu com fins sociais. “Sempre tive a intenção de provocar discussões que pudessem impactar e transformar a sociedade. Acho que a arte tem esse poder e, entre todas, o cinema é o que chega a mais pessoas”, diz.

Questionada sobre a origem da determinação, Luana suspira profundamente, mas responde rápido. “Desde quando nasci.” Conta que a mãe teve rubéola durante a gravidez e foi aconselhada a abortar pelos médicos de Além Paraíba, município de Minas Gerais onde a família vivia. Buscou alternativas naturais e teve a filha com saúde.

“Isso deu uma reviravolta na sua cabeça e ela me criou com um sentimento de valorização da vida muito forte”, explica, afirmando que vem desde aí a percepção de como as escolhas das pessoas são influenciadas pelo sistema e que é possível percorrer outro caminho. “Impregnou em mim a necessidade de mostrar às pessoas que elas podem se apropriar novamente de suas vidas, sem passar por elas como terceiros. Eu queria fazer parte da frente que levaria informação para que não deixassem isso acontecer”, comenta.

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Os sócios têm perfil semelhante. Além de vice-presidente do Alana, Nisti é membro do conselho do Greenpeace. Estela, influenciada pelos três filhos, hoje com 7, 11 e 13 anos, passou a advogar por causas da infância. Atualmente,  viaja o País visitando famílias com bebês para filmar o próximo documentário da Maria Farinha, Mil Dias, encomendado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e o instituto holandês Bernard van Leer.

O filme tratará da importância dos primeiros três anos da criança. “Nesse período, visto por muitos como uma fase de troca de fraldas e noites sem dormir, o bebê está no auge do seu desenvolvimento. Dar atenção e afeto a essa pessoa significa cuidar da humanidade. É mais fácil e mais humano do que de um adulto cheio de problemas”, explica Estela.

Segundo Luana, como nos outros longas, o custo será de cerca de 1 milhão de reais, mas, além dos cinemas, haverá modelos de exibições gratuitas. Em paralelo, a produtora faz vídeos sobre outros projetos com a mesma filosofia. Entre esses, estão Território do Brincar, projeto de registro e difusão da cultura infantil feito pela educadora Renata Meirelles, e Jovens Inventores, série que vai ao ar no programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo.

Em 2013, a Maria Farinha conseguiu o selo B Corp, certificação internacional para negócios sociais, ou seja, empresas que geram benefícios à sociedade além de emprego e renda. A instituição usa 40% dos rendimentos para pagar os colaboradores de cada projeto e os outros 60% reinveste para levantamento de novas causas para serem levadas à telona.

“Não é que a gente não queira retorno financeiro. Não somos ONG, mas defendemos com patrocinadores que o filme se pague na produção para cumprir a missão, que é ser visto. Ajudamos a todos que entram em contato para exibi-lo”, diz Luana, incentivando professores a solicitar as obras.

Segundo ela, os educadores estão entre os que mais procuram a produtora. “Por dia, recebo uns dez e-mails, são pessoas que precisam de instrumentos de apoio naquilo que pensam ou que buscam formação para lidar com problemas que encontram. São enormes parceiros na nossa meta, que é de inspirar mudanças culturais na sociedade.”

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