Educação

O ensino tradicional de Física está matando a curiosidade

Para Eric Mazur, professor de Harvard, o modelo tradicional de aula extirpa a curiosidade e produz alunos conceitualmente deficientes

Eric Mazur
Mazur promoveu uma revolução no Ensino de Física Eric Mazur Ensino de Física Peer Instruction Aprendizagem Ativa
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Físico, especialista em ótica e professor da universidade americana de Harvard, o holandês Eric Mazur, 61 anos, é uma referência na área de educação. Foi a crítica ao modelo de aula tradicional, baseado na fala do professor e na escuta e anotação do aluno, que o levou a formular o método de aprendizagem ativa peer instruction (aprendizagem aos pares, em tradução livre), no qual o aluno protagoniza seu processo de aprendizagem e interage com a classe. “A curiosidade, presente desde a infância, é uma das mais encantadoras características do ser humano. O ensino de Física tradicional, totalmente adepto da memorização, mata totalmente essa curiosidade” dispara o professor.

Autor do livro “Peer instruction: a revolução da aprendizagem ativa”, publicado originalmente em 1996 e lançado este ano no Brasil pela Editora Penso, Mazur tem seu método adotado por diversas universidades mundo afora. Em visita a São Paulo, o professor falou sobre sua obra, bem como o ensino tradicional e a recepção de seu método pela comunidade acadêmica.

Carta Educação: O senhor se tornou conhecido na área da educação pelo método peer instruction, criado no início dos anos 1990. Como eram as suas aulas antes da criação dele?

Eric Mazur: As minhas aulas eram exatamente iguais as que eu havia tido durante a minha formação. Quando eu era aluno, elas se consistiam em um professor falando para toda uma sala, expondo o assunto e o demonstrando, enquanto os alunos copiavam o conteúdo. Já como professor dei total continuidade a este método: eu falava e os alunos escutavam e copiavam. Não via problema algum nisso e nem eles próprios. Estavam todos satisfeitos e os resultados eram bons.

CE: O que então te fez repensar o seu jeito de ensinar?

EM: Foi uma série de artigos publicada em uma revista, em 1990. Esses textos diziam que apesar dos alunos memorizarem as leis da física e até conseguirem aplicá-las em problemas numéricos, eles não as compreendiam. O conhecimento que eles, de fato, possuíam das leis da física era muito associado ao senso comum. Em um primeiro momento, pensei “meus alunos não se aplicam a essa regra” e, para tirar a prova, resolvi aplicar o teste proposto pelo artigo. Infelizmente, os resultados confirmaram que eu estava errado.

CE: A partir disso, como o senhor desenvolveu o seu método?

EM: Confirmei o que o artigo dizia: o ensino de física era totalmente voltado à memorização. O aprendizado tem duas etapas: a da transmissão de conhecimento e a da assimilação. O ensino de Física estava quase que por inteiro concentrado na transmissão: um professor falando e um aluno ouvindo. A assimilação desse conteúdo estava praticamente excluída da sala de aula. Esse tipo de prática, no fim das contas, estava produzindo não somente alunos com uma parte conceitual extremamente deficiente, como também extirpando a própria curiosidade. Um modelo de aula no qual o professor apenas fala e o aluno memoriza não desperta neste último nenhuma curiosidade. Ele se torna uma máquina de reproduzir receitas para fazer provas visando pura e simplesmente a aprovação. Todas essas constatações foram feitas ao longo do ano letivo de 1990/1991. Logo após aquelas férias alterei por completo o meu método de ensino.

CE: Como passou a ser?

EM: Eu introduzia, nos primeiros minutos de aula, um conceito chave. Em seguida, apresentava para a sala uma questão sobre o conceito, na qual os alunos respondiam individualmente em dois minutos (o tempo curto era para evitar o uso de equações) e, em seguida, discutiam a questão com o colega ao lado, tentando provar que a sua resposta era a certa. Depois eles me apresentavam as respostas e eu, por fim, lhes apresentava a resposta correta. Esse é o peer instruction: a ênfase da aula não estava somente na transmissão de conhecimento, mas sim na assimilação. O foco agora era o estudante tendo contato com seu próprio processo de aprendizagem. Isso produzia, ainda por cima, aulas muito mais divertidas e dinâmicas que as de antes.

CE: E quais foram os resultados?

EM: Foram muito eficazes desde o início. Logo ao final daquela turma, no verão de 1992, o desempenho por meio do peer instruction foi totalmente efetivo, o que me fez adotá-lo em definitivo.

CE: Como esse método reverberou na época? O impacto na comunidade acadêmica foi imediato?

EM: Apesar de muito bem-sucedido com meus alunos, de início, ele teve pouco eco entre meus colegas. Mudar é difícil: exige trabalho, paciência e mobilização. Muitos outros colegas estavam perfeitamente confortáveis com suas aulas e assim continuaram. Foi quando publiquei meu livro, em 1996, que as coisas começaram a mudar. O livro teve impacto entre outros professores e acadêmicos, que começaram a usar o peer instruction. A partir daí foi se expandindo e sendo cada vez mais usado. No entanto, as mudanças são lentas. A Física era ensinada da forma convencional desde o século XIX, enquanto que meu trabalho teve início a pouco mais de vinte anos. É natural, portanto, que o método majoritário seja o da memorização. Mas existe um interesse em mudar isso, basta ver a quantidade de idiomas para a qual meu livro foi traduzido, que vão desde o chinês até o português. Professores não somente de outras universidades americanas, como Princeton, mas de diversas instituições do mundo vêm descobrindo, se interessando e adotando o peer instruction.

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