Educação

Empregos do futuro

Mercado exigirá estudo contínuo e habilidade de agir em equipe, avalia professor de Harvard

Richard Murnane|
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Em vez de se focar apenas em conteúdos específicos, a escola deveria ensinar o aluno a habilidade de continuar aprendendo. Essa é a aposta do norte-americano Richard Murnane para o papel da escola no futuro. Economista e professor da Faculdade de Educação de Harvard, o trabalho de pesquisa de Murnane desdobra-se em dois temas principais. O primeiro é como as mudanças tecnológicas estão afetando a demanda por habilidades necessárias para o mercado de trabalho norte-americano e como as políticas educacionais estão respondendo a essas transformações.

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A outra linha de pesquisa é analisar como as desigualdades econômicas nos EUA afetam as oportunidades educacionais de famílias de baixa renda e a eficácia das estratégias utilizadas para melhorar as chances de sucesso dessas crianças. Murnane, expoente da “Educação baseada em evidências”, veio ao Brasil para debater estudos científicos que analisam a eficácia de diversas políticas educacionais em evento do Instituto Alfa e Beto.

Carta Educação: O senhor defende que, mais do que conteúdos básicos, a escola deve ensinar o aluno a aprender. Como isso pode ser feito?
Richard Murnane: Isso é essencial e é resultado das mudanças em nossa economia. Eu conheço mais da economia americana do que a brasileira, mas acredito que o que está acontecendo hoje nos EUA também ocorrerá no Brasil, na medida em que o País se desenvolver e os salários aumentarem. Como resultado dos avanços das tecnologias, especialmente as ligadas à computação, empregos que exijam seguir procedimentos e realizar uma tarefa várias vezes, mecanicamente, como, por exemplo, arquivar ou datilografar, serão feitos por máquinas. Qualquer tarefa que possa ser definida como seguir um procedimento de maneira rotineira poderá ser realizada por um computador. Isso já é realidade nos EUA, onde costumava haver muitas pessoas no mercado de trabalho apenas com diploma de Ensino Médio. As mulheres trabalhavam como secretárias e os homens em linhas de montagem. Esses empregos pagavam um bom salário e agora estão desaparecendo muito rápido. Consequentemente, formados no Ensino Médio não poderão ocupar os postos que seus pais ocupavam. Em vez disso, eles precisam enfrentar um dilema.

CE: Qual?
RM: Caso eles tenham habilidades para continuar aprendendo e puderem fazer um curso de treinamento ou especialização, eles se sairão bem. Mas, caso os alunos do Ensino Médio saiam da escola apenas com habilidades para ler, escrever e seguir instruções, competirão com trabalhadores ainda menos qualificados em empregos na área de serviços, como garçons ou camareiras de hotéis. Há muitos empregos como esses disponíveis, mas eles pagam muito mal.

CE: Quais serão os empregos do futuro?
RM: Se você quiser saber em que áreas haverá emprego no futuro, precisa se perguntar que tipos de tarefa dificilmente podem ser realizados por computadores. São três tipos: a primeira é resolver novos problemas, especialmente em grupos. Muitos de nós, quando nos deparamos com algum problema, pedimos ajuda. Ser capaz de buscar informações e selecioná-las é um exemplo de algo que não fazia parte da formação escolar e que hoje é necessária. Há 40 anos só era necessário saber ler, escrever e seguir instruções. Isso não é mais adequado, porque um computador pode ser programado para seguir instruções com mais facilidade. Resolver problemas e trabalhar em grupo com pessoas de diferentes origens – esses serão os bons empregos. E há trabalhos que computadores não conseguem fazer: como descascar cenouras ou servir mesas. Esses são empregos que os seres humanos ainda poderão ter, mas, como muitos podem desempenhar essas funções, elas não pagam o suficiente para viver.

CE: O critério para ser um profissional bem formado mudou?
RM: Hoje esse critéro  inclui um leque de habilidades muito mais amplo e profundo do que antes. E, mais importante, inclui também a habilidade de continuar aprendendo de forma eficiente.

CE: Por que isso acontece?
RM: Porque todos os trabalhos que pagam decentemente exigirão que a pessoa aprenda novas coisas. Por causa das mudanças tecnológicas, a forma como trabalhamos hoje não será a mesma daqui a dez anos. Por exemplo, mecânicos de carros precisam ser capazes de voltar para programas de treinamento por causa dos avanços da tecnologia em seu ambiente de trabalho. Na década de 1980, muitas empresas automobilísticas norte-americanas enfrentaram problemas porque muitos dos seus empregados não conseguiam um bom desempenho nos programas de treinamento para aprender a consertar novas tecnologias e produtos. Ter a habilidade de continuar a aprender de maneira eficiente é o que empregos com altos salários vão exigir.

CE: O Ensino Médio brasileiro vive um momento de crise, com altas taxas de evasão. O grande número de disciplinas e a falta de conexão entre o que é ensinado e a vida dos adolescentes são apontados como entraves. Qual seria o formato ideal essa etapa do ensino?
RM: Sei mais sobre a realidade nos EUA. No meu novo livro, que será publicado em janeiro, Restoring Opportunities, um dos capítulos é sobre inovações no Ensino Médio que tenham aumentado taxas de conclusão de alunos de baixa renda. Uma delas foi feita em Nova York, o maior sistema educacional dos EUA, que tem também a reputação de nunca tentar fazer nada diferente. Essa foi uma mudança importante. Nova York tinha muitas escolas enormes, com cerca de 5 mil alunos, em áreas pobres que eram muito ineficientes, com baixas taxas de conclusão. Apenas três em cada dez alunos conseguiam se formar no Ensino Médio. Eles implantaram uma nova iniciativa. O governo municipal anunciou que haveria uma competição para criar escolas pequenas, que atendessem apenas cem alunos em cada etapa do Ensino Médio – nos Estados Unidos, temos quatro –, então seriam 400 alunos apenas. A iniciativa encorajava pequenos grupos de educadores. De acordo com as regras da competição, o projeto precisaria envolver ao menos um parceiro da comunidade. Nós estudamos duas escolas, uma delas é a Urban Assembly School for Law and Justice, cujo parceiro é um escritório de advocacia da cidade. A outra é a Mott Haven Village Preparatory High School, cujo parceiro é uma agência de assistentes sociais responsável por encontrar moradias e dar treinamento para famílias de classes mais baixas. Os grupos de educadores que apresentaram as melhores propostas receberam financiamento para se preparar por um ano antes de começar a nova escola. E então eles fecharam quase 30 daquelas escolas grandes que não estavam indo bem e as substituíram por 700 dessas instituições menores. A iniciativa para a construção dessas escolas veio dos educadores e seus parceiros.

CE: Como essas escolas funcionam?
RM: Hoje, todos os 8 mil alunos do 8th grade em Nova York selecionam as escolas por meio da internet – há uma longa lista mostrando o que elas oferecem. Eles podem escolher de uma a 12 escolas. Há então um sorteio para determinar qual estudante será matriculado em cada escola e uma espécie de equiparação entre os interesses dos alunos e as escolas. Todas as novas escolas têm o mesmo objetivo: preparar os alunos para ter boa formação em Matemática, capacidade de trabalhar em grupos, ler e escrever bem. Os objetivos são obrigatoriamente comuns, mas o currículo é diferente. Por exemplo, na Urban Assembly School for Law and Justice, a ciência ensinada para os alunos do 9º ano é voltada para a ciência forense. A ideia é apelar para os interesses das crianças e dos jovens. Já na Mott Haven Village Preparatory High School, os fundamentos são voltados para o serviço social. Há outra escola que trabalha com saúde, outra com ciências da computação. A ideia é que os adolescentes sejam livres para escolher qual currículo preferem, mas, uma vez dentro da escola, você precisa garantir que todos façam a mesma coisa, para desenvolver a ideia de que todos estão envolvidos com ela, e que o corpo docente estará lá para cumprir os objetivos. Essa iniciativa tem obtido boas avaliações, como o aumento das taxas de conclusão, que antes eram muito baixas, de 65% para 75%. A ideia aqui é que os objetivos são os mesmos, mas os modos de ensinar podem ser diferentes, e também é importante deixar que os alunos escolham a sua escola.

CE: O Brasil discute aplicar recursos da exploração de suas novas reservas de petróleo na educação. O aumento de investimentos se traduz em melhorias no ensino?
RM: Acho que uma educação de qualidade necessita de recursos adicionais, mas apenas oferecer recursos não significa melhor educação. O que sugiro é organizar um planejamento a partir das melhores evidências educacionais possíveis. Quais serão essas mudanças e quais serão os objetivos da educação no Brasil? Eles serão comuns em todas as escolas? Assim como nos EUA, no Brasil é possível mudar muito de localidade, então a Álgebra ensinada precisa ser a mesma coisa no Nordeste ou São Paulo. É preciso ter objetivos em comum e pensar em preparar os professores para ajudar as crianças a atingi-los. Imaginar o que deverá ser feito à luz das evidências para só então pensar no quanto vai custar. O financiamento deve seguir o planejamento e não liderá-lo.

CE: O senhor estuda o conceito de “educação baseada em evidências”. O que ele significa?
RM: Basicamente, a ideia é avaliar se uma política educacional adotada pela escola se traduzirá em evidências que farão diferença para as crianças. Escolas e governos tomam decisões cotidianamente sobre o tamanho da turma, o currículo que será usado ou o tipo de treinamento dado aos professores. Tudo isso consome recursos. A questão é se essas iniciativas se transformarão em bons resultados para os alunos. A ideia da educação baseada em evidências é fazer avaliações que trarão evidências sobre os efeitos, em particular, de uma ou outra política. Muitas vezes há surpresas: muitas intervenções que pareciam boas na verdade não são. É importante saber disso, porque os recursos disponíveis são escassos. Houve muitos avanços nas metodologias para oferecer evidências significativas para essa pergunta. Por exemplo, as crianças adquirirão mais habilidades caso utilizem uma nova política, em vez do método tradicional? Se esse é o objetivo, o próximo passo é o diretor e o corpo docente se perguntarem como é possível obter essa informação.

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