Política
Guerra Fria
Uma aparente trégua entre Lula e Arthur Lira acalma os ânimos na Praça dos Três Poderes. Até quando?
O presidente Lula acaba de passar outra semana no exterior, a sétima viagem no ano. Na Itália, visitou o papa Francisco e reuniu-se com o congênere Sergio Matarella e a primeira-ministra Georgia Meloni. Em seguida foi à França participar de uma reunião organizada por Emmanuel Macron para discutir uma nova ordem financeira mundial. O petista falou de guerra (e torcida pela paz) na Ucrânia, do acordo comercial (difícil de vingar) entre o Mercosul e a União Europeia, de desigualdades sociais, da “Guerra Fria” entre Estados Unidos e China e de meio ambiente. Em agosto, o Brasil receberá mandatários sul-americanos cujos países têm partes da Amazônia, em busca de uma posição comum a ser levada, em dezembro, à conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas. A intenção é unir o grupo a Congo e Indonésia, detentores das outras maiores florestas tropicais, e assumir na COP-28 a bandeira da conservação florestal, em geral empunhada por algum país rico que devastou sua vegetação no passado. A COP-30, em 2025, será em Belém, cidade que abrigará a reunião de agosto.
“Lula só tem paciência com assuntos internacionais, não com o nosso dia a dia. Não ouve ninguém, resiste à ideia de ter uma rotina de reunião de coordenação política”, diz um deputado do PT que às vezes conversa com o presidente. Ao relançar o programa de compra de alimentos da agricultura familiar, em março, no Recife, o mandatário comentou: “É a primeira vez na vida que eu tô ficando cansado de ouvir os outros falarem”. Um lampejo dessa impaciência viu-se em 5 de junho. Era Dia Mundial do Meio Ambiente e o presidente participou de uma solenidade no Palácio do Planalto. Mais tarde, de forma burocrática, assinou uma Medida Provisória para rolar dívidas de 70 milhões de consumidores, o programa Desenrola, enquanto o governo anunciava incentivos para baratear o preço dos carros.
Quando precisa se ater a assuntos domésticos, Lula tem de aturar Arthur Lira, presidente da Câmara. O clima entre eles é de “Guerra Fria”. É difícil manter equilibrada a balança de poder, da mesma forma que acontece entre norte-americanos e chineses. Nas duas situações, a força de um amplia-se quando a do outro encolhe. Lira não cansa de repetir que o Congresso é mais liberal e direitista do que o governo. Recentemente, os dois têm conversado com alguma frequência. Antes de Lula ir à Europa, o deputado encontrou-o no Palácio da Alvorada, pois passariam duas semanas distantes (na quinta-feira 22, Lira tinha viagem ao exterior). A reunião anterior foi um café da manhã em 5 de junho. Na ocasião, o parlamentar havia criticado a articulação política do governo e sugerido trocar o chefe da Casa Civil: sairia o baiano Rui Costa, entraria o paulista Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Lula, acha o deputado, deveria anunciar logo se tentará a reeleição, do contrário haverá disputas no governo pela vaga de candidato. Haddad e Costa são postulantes naturais, em razão dos cargos. No dia do café, o petista pretendia receber alguns líderes partidários, mas foi sabotado por Lira, que convidou a turma para uma viagem a São Paulo.
O presidente da Câmara promete ressuscitar o “orçamento secreto”
O alagoano e o governo disputam influência sobre os deputados. A força de Lira está na capacidade de viabilizar as emendas parlamentares. “Sou governado pelo Arthur Lira, todo dia vem ofício dele pedindo liberação de verba”, afirma um ministro. A articulação política planejada pelo chefe da área no Planalto, Alexandre Padilha, prevê que, com o tempo, o governo recupere espaço entre os congressistas ao assumir o vácuo do orçamento secreto. Por isso Lira reclama da articulação.
“A grande disputa entre Arthur e o governo é pela execução orçamentária”, diz um deputado. Há duas semanas, conta a fonte, o presidente da Casa reuniu coordenadores das bancadas estaduais e comentou, a propósito da baixa liberação de verbas pelos ministérios: “Agora o governo controla a execução das emendas, está errado”. Teria profetizado que até o fim do ano o orçamento secreto volta. Será? O Planalto está com as barbas de molho quanto à votação do rascunho do próximo orçamento anual. Lira nomeou um aliado para cuidar do projeto, Danilo Forte, do União Brasil do Ceará. Foi na LDO de 2020, ainda na era Bolsonaro, que o Congresso instituiu o “orçamento secreto”.
A “Guerra Fria” entre Lula e Lira tem tudo para se prolongar até a eleição da Câmara, em fevereiro de 2025. Há, porém, um fato mais próximo capaz de fortalecer o petista na batalha: a nomeação do novo procurador-geral da República, responsável por processar um parlamentar. Augusto Aras, o atual, tem mandato até setembro e joga ao lado do alagoano. É o que se vê, por exemplo, na investigação sobre a compra superfaturada de kits de robótica para escolas públicas de Alagoas com verba federal providenciada pelo Congresso. A investigação da Polícia Federal, levada às ruas em 1o de junho por meio da Operação Hefesto, atinge gente próxima do deputado: um antigo assessor (Luciano Ferreira Cavalcante), um colaborador de campanha (o policial Murilo Sérgio Jucá Nogueira Jr.) e uma família de políticos aliados (os Catunda).
Passagem só de ida. Daniela Carneiro mudou de partido e vai perder o ministério – Imagem: Roberto Castro/MTur
Em 8 de junho, o deputado Gilvan Máximo, do Republicanos do Distrito Federal, foi ao Supremo Tribunal Federal com uma reclamação contra a investigação. Embora não fosse alvo da PF, sustentava que seu nome surgiu nos preparativos, daí o caso não poder continuar nas mãos de um juiz de primeira instância de Alagoas, como ocorreu. Se não era alvo, por que Máximo agiu? Resposta: Lira. Se a reclamação fosse examinada no STF por um magistrado bolsonarista, como Kassio Nunes Marques ou André Mendonça, o pedido do deputado poderia ser aceito. No limite, o Supremo anularia as provas reunidas pela PF. O cálculo deu errado. A reclamação caiu com Luís Roberto Barroso, linha-dura. Ainda bem, para Lira, que o procurador-geral é Aras. Este avocou para si a investigação e, por isso, Barroso arquivou, na quinta-feira 22, o pedido de Máximo. O futuro da Hefesto, e de Lira, neste momento depende do procurador-geral.
Como uma mão lava a outra, na terça-feira 20, Lira comandou a aprovação, a toque de caixa, de um trem da alegria proposto por Aras. Uma lei transforma 560 cargos efetivos do Ministério Público da União em postos de confiança. Significa que o MP pode preenchê-los sem concurso. O projeto chegou à Câmara em 8 de maio, um mês após a PGR ter saído em socorro de Lira em outro caso. A vice de Aras, Lindôra Araújo, tinha informado ao Supremo que a Procuradoria desistira de processar o deputado por uma acusação de 2018, segundo a qual o alagoano seria o destinatário de 106 mil reais apreendidos com um assessor em um aeroporto seis anos antes. Dada a desistência, o STF viu-se obrigado a arquivar o processo em 6 de junho. Dias depois do parecer de Lindôra, Lira pregava no Globo que Aras fosse “renovado no cargo”.
Confusões liristas à parte, na volta ao Brasil Lula terá de decidir o futuro da ministra do Turismo. A cabeça de Daniela Carneiro está a prêmio. O União Brasil quer no cargo alguém que represente seus interesses. O candidato a ministro é o deputado federal paraense Celso Sabino. Daniela era do União Brasil, mas pediu desfiliação, para seguir o marido, Wagner Carneiro, prefeito de Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense. O evangélico Waguinho, que aderiu a Lula no meio da eleição, migrou para o Republicanos. O casal esteve com o presidente em 13 de junho para falar da situação de Daniela, e esta, por ora, manteve o cargo. Ela participou dois dias depois de uma reunião ministerial de Lula.
Por ora, e apesar das pressões, Lula não pensa em uma reforma ministerial
O União Brasil, terceira maior bancada da Câmara, é um caso estranho. Tinha três ministérios, incluído o de Daniela, mas diz não integrar a base governista, declara-se “independente”. Uma testemunha da escolha da ministra por Lula no fim do ano passado diz que a filiação partidária não contou. Pesou o fato de ela ser do Rio. O favorito para o posto era o deputado federal Pedro Paulo, do PSD, aliado do prefeito carioca, Eduardo Paes. Mas Paulo agrediu no passado a ex-mulher, o que fez a nomeação ser vetada pela primeira-dama, Janja. Isso foi discutido em um jantar em Brasília, em dezembro, segundo um participante do convescote, no qual estiveram Haddad e Washington Quaquá, presidente do PT no Rio.
Fora o caso do Turismo, Lula não pretende fazer reforma ministerial agora. Talvez, na virada do ano. É o que diz uma fonte do Planalto. Segundo pesquisa da quarta-feira 21, da Genial/Quaest, o presidente tem 56% de aprovação. Para 48%, ele está certo: não tem de ceder às pressões do Congresso. •
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 28 de junho de 2023.
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