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Guerra Fria

Uma aparente trégua entre Lula e Arthur Lira acalma os ânimos na Praça dos Três Poderes. Até quando?

Arenas. Lira briga para manter a Câmara no cabresto. Lula, em outra viagem internacional, aposta na desidratação da influência do presidente da Casa – Imagem: Pablo Valadares/Ag. Câmara e Ricardo Stuckert/PR
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O presidente Lula acaba de passar outra semana no exterior, a sétima viagem no ano. Na Itália, visitou o papa Francisco e reuniu-se com o congênere Sergio ­Matarella e a primeira-ministra ­Georgia Meloni. Em seguida foi à França participar de uma reunião organizada por Emmanuel Macron para discutir uma nova ordem financeira mundial. O petista falou de guerra (e torcida pela paz) na Ucrânia, do acordo comercial (difícil de vingar) entre o Mercosul e a União Europeia, de desigualdades sociais, da “Guerra Fria” entre Estados Unidos e China e de meio ambiente. Em agosto, o Brasil receberá mandatários sul-americanos cujos países têm partes da Amazônia, em busca de uma posição comum a ser levada, em dezembro, à conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas. A intenção é unir o grupo a Congo e Indonésia, detentores das outras maiores florestas tropicais, e assumir na COP-28 a bandeira da conservação florestal, em geral empunhada por algum país rico que devastou sua vegetação no passado. A COP-30, em 2025, será em Belém, cidade que abrigará a reunião de agosto.

“Lula só tem paciência com assuntos internacionais, não com o nosso dia a dia. Não ouve ninguém, resiste à ideia de ter uma rotina de reunião de coordenação política”, diz um deputado do PT que às vezes conversa com o presidente. Ao relançar o programa de compra de alimentos da agricultura familiar, em março, no Recife, o mandatário comentou: “É a primeira vez na vida que eu tô ficando cansado de ouvir os outros falarem”. Um lampejo dessa impaciência viu-se em 5 de junho. Era Dia Mundial do Meio Ambiente e o presidente participou de uma solenidade no Palácio do Planalto. Mais tarde, de forma burocrática, assinou uma Medida Provisória para rolar dívidas de 70 milhões de consumidores, o programa Desenrola, enquanto o governo anunciava incentivos para baratear o preço dos carros.

Quando precisa se ater a assuntos domésticos, Lula tem de aturar Arthur Lira, presidente da Câmara. O clima entre eles é de “Guerra Fria”. É difícil manter equilibrada a balança de poder, da mesma forma que acontece entre norte-americanos e chineses. Nas duas situações, a força de um amplia-se quando a do outro encolhe. Lira não cansa de repetir que o Congresso é mais liberal e direitista do que o governo. Recentemente, os dois têm conversado com alguma frequência. Antes de Lula ir à Europa, o deputado encontrou-o no Palácio da Alvorada, pois passariam duas semanas distantes (na quinta-feira 22, Lira tinha viagem ao exterior). A reunião anterior foi um café da manhã em 5 de junho. Na ocasião, o parlamentar havia criticado a articulação política do governo e sugerido trocar o chefe da Casa Civil: sairia o baiano Rui Costa, entraria o paulista Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Lula, acha o deputado, deveria anunciar logo se tentará a reeleição, do contrário haverá disputas no governo pela vaga de candidato. Haddad e Costa são postulantes naturais, em razão dos cargos. No dia do café, o petista pretendia receber alguns líderes partidários, mas foi sabotado por Lira, que convidou a turma para uma viagem a São Paulo.

O presidente da Câmara promete ressuscitar o “orçamento secreto”

O alagoano e o governo disputam influência sobre os deputados. A força de Lira está na capacidade de viabilizar as emendas parlamentares. “Sou governado pelo Arthur Lira, todo dia vem ofício dele pedindo liberação de verba”, afirma um ministro. A articulação política planejada pelo chefe da área no Planalto, Alexandre Padilha, prevê que, com o tempo, o governo recupere espaço entre os congressistas ao assumir o vácuo do orçamento secreto. Por isso Lira reclama da articulação.

“A grande disputa entre Arthur e o governo é pela execução orçamentária”, diz um deputado. Há duas semanas, conta a fonte, o presidente da Casa reuniu coordenadores das bancadas estaduais e comentou, a propósito da baixa liberação de verbas pelos ministérios: “Agora o governo controla a execução das emendas, está errado”. Teria profetizado que até o fim do ano o orçamento secreto volta. Será? O Planalto está com as barbas de molho quanto à votação do rascunho do próximo orçamento ­anual. Lira nomeou um aliado para cuidar do projeto, Danilo Forte, do União Brasil do Ceará. Foi na LDO de 2020, ainda na era Bolsonaro, que o Congresso instituiu o “orçamento secreto”.

A “Guerra Fria” entre Lula e Lira tem tudo para se prolongar até a eleição da Câmara, em fevereiro de 2025. Há, porém, um fato mais próximo capaz de fortalecer o petista na batalha: a nomeação do novo procurador-geral da República, responsável por processar um parlamentar. Augusto Aras, o atual, tem mandato até setembro e joga ao lado do alagoano. É o que se vê, por exemplo, na investigação sobre a compra superfaturada de kits de robótica para escolas públicas de Alagoas com verba federal providenciada pelo Congresso. A investigação da Polícia Federal, levada às ruas em 1o de junho por meio da Operação Hefesto, atinge gente próxima do deputado: um antigo assessor (Luciano Ferreira Cavalcante), um colaborador de campanha (o policial Murilo Sérgio Jucá Nogueira Jr.) e uma família de políticos aliados (os Catunda).

Passagem só de ida. Daniela Carneiro mudou de partido e vai perder o ministério – Imagem: Roberto Castro/MTur

Em 8 de junho, o deputado Gilvan Máximo, do Republicanos do Distrito Federal, foi ao Supremo Tribunal Federal com uma reclamação contra a investigação. Embora não fosse alvo da PF, sustentava que seu nome surgiu nos preparativos, daí o caso não poder continuar nas mãos de um juiz de primeira instância de Alagoas, como ocorreu. Se não era alvo, por que Máximo agiu? Resposta: Lira. Se a reclamação fosse examinada no STF por um magistrado bolsonarista, como Kassio Nunes Marques ou André Mendonça, o pedido do deputado poderia ser aceito. No limite, o Supremo anularia as provas reunidas pela PF. O cálculo deu errado. A reclamação caiu com Luís ­Roberto ­Barroso, linha-dura. Ainda bem, para Lira, que o procurador-geral é Aras. Este avocou para si a investigação e, por isso, ­Barroso arquivou, na quinta-feira 22, o pedido de Máximo. O futuro da ­Hefesto, e de Lira, neste momento depende do procurador-geral.

Como uma mão lava a outra, na terça-feira 20, Lira comandou a aprovação, a toque de caixa, de um trem da alegria proposto por Aras. Uma lei transforma 560 cargos efetivos do Ministério Público da União em postos de confiança. Significa que o MP pode preenchê-los sem concurso. O projeto chegou à Câmara em 8 de maio, um mês após a PGR ter saído em socorro de Lira em outro caso. A vice de Aras, Lindôra Araújo, tinha informado ao Supremo que a Procuradoria desistira de processar o deputado por uma acusação de 2018, segundo a qual o alagoano seria o destinatário de 106 mil reais apreendidos com um assessor em um aeroporto seis anos antes. Dada a desistência, o STF viu-se obrigado a arquivar o processo em 6 de junho. Dias depois do parecer de Lindôra, Lira pregava no ­Globo que Aras fosse “renovado no cargo”.

Confusões liristas à parte, na volta ao Brasil Lula terá de decidir o futuro da ministra do Turismo. A cabeça de Daniela Carneiro está a prêmio. O União Brasil quer no cargo alguém que represente seus interesses. O candidato a ministro é o deputado federal paraense Celso Sabino. Daniela era do União Brasil, mas pediu desfiliação, para seguir o marido, Wagner Carneiro, prefeito de Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense. O evangélico Waguinho, que aderiu a Lula no meio da eleição, migrou para o Republicanos. O casal esteve com o presidente em 13 de junho para falar da situação de Daniela, e esta, por ora, manteve o cargo. Ela participou dois dias depois de uma reunião ministerial de Lula.

Por ora, e apesar das pressões, Lula não pensa em uma reforma ministerial

O União Brasil, terceira maior bancada da Câmara, é um caso estranho. Tinha três ministérios, incluído o de Daniela, mas diz não integrar a base governista, declara-se “independente”. Uma testemunha da escolha da ministra por Lula no fim do ano passado diz que a filiação partidária não contou. Pesou o fato de ela ser do Rio. O favorito para o posto era o deputado federal Pedro Paulo, do PSD, aliado do prefeito carioca, Eduardo Paes. Mas Paulo agrediu no passado a ex-mulher, o que fez a nomeação ser vetada pela primeira-dama, Janja. Isso foi discutido em um jantar em Brasília, em dezembro, segundo um participante do convescote, no qual estiveram Haddad e Washington Quaquá, presidente do PT no Rio.

Fora o caso do Turismo, Lula não pretende fazer reforma ministerial agora. Talvez, na virada do ano. É o que diz uma fonte do Planalto. Segundo pesquisa da quarta-feira 21, da ­Genial/Quaest, o presidente tem 56% de aprovação. Para 48%, ele está certo: não tem de ceder às pressões do Congresso. •

Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 28 de junho de 2023.

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