Educação

Plantão gramatical por telefone completa 35 anos

Serviço de tira-dúvidas de Língua Portuguesa é mantido pela prefeitura de Fortaleza

Plantão Gramatical
Seis professores atendem à população de segunda a sexta tira-dúvida plantão gramatical fortaleza
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Há 14 anos, a professora Lílian Suassuna, 46 anos, dá expediente no Plantão Gramatical, em Fortaleza, capital do Ceará. Todos os dias, do outro lado do telefone, ela se depara com pessoas confusas por causa de dois “corretores” trazidos pela tecnologia para a vida moderna: o Word (editor de texto fornecido pela Microsoft) e o Google. “As pessoas têm uma crença infundada de que a internet resolve tudo, mas, na verdade, traz mais confusão do que ajuda”, diz a formada em Letras e especialista em Língua Portuguesa.

O Plantão Gramatical é um programa gerido pelo Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Imparh) de Fortaleza, criado em 1980 para auxiliar as pessoas com relação às dúvidas na Língua Portuguesa por meio de esclarecimentos sobre fonética, semântica, crase, pontuação, conhecimentos gerais e outras regras da Língua Portuguesa. Só em 2015, o Plantão tirou uma média de 770 dúvidas ao mês, segundo dados do próprio Imparh.

Ao longo desses 35 anos, as características das dúvidas do público que procura o Plantão mudaram. Hoje, o maior desafio dos seis professores que trabalham no serviço e atendem a população de segunda a sexta, das 8 às 17 horas, é o mundo da tecnologia.  “Com o passar dos anos, percebi que tudo é mais imediatista, graças aos tempos mais modernos e principalmente por causa da internet. As pessoas querem logo as respostas, por isso procuram tanto a internet, que muitas vezes acaba confundindo”, avalia a professora Márcia Linhares, 31 anos, cinco deles passados no Plantão Gramatical, especialista em linguística aplicada.

As duas professoras concordam que o Word também não é um corretor ortográfico confiável. O programa da Microsoft, um dos mais usados para produção textual, tem um arquivo limitado de palavras. Por causa disso, diversos termos do nosso vocabulário ficam de fora. Segundo Lílian, o Word não trabalha com o inusitado, por isso há tanta confusão nas questões da concordância. Para avaliar a concordância da frase, o programa leva em consideração apenas as três palavras anteriores. Assim, em frases grandes, ele pode sinalizar uma correção errada.

“A vantagem do corretor do Word é que ele sinaliza erros simples, como a falta de um acento, ou mesmo orienta que há algo errado, mas não é eficiente nas dúvidas mais complexas”, explica Lílian.

De acordo com Leandro Lelis, 35 anos e no Plantão desde 2009, a maior parte do público é “aquela que está escrevendo um texto e tem alguma dúvida, de estudantes fazendo a tarefa da escola aos advogados produzindo um texto jurídico”. Já a professora Lílian enxerga que profissionais liberais recorrem muito mais ao Plantão do que os estudantes.

É o caso da assistente social Xênia Martins, 34 anos, gerente de Recursos Humanos de um plano de saúde, que sempre procura o Plantão Gramatical quando tem alguma dúvida ao redigir os textos no trabalho. “Eu gosto demais do trabalho do Plantão Gramatical. Sempre consigo resolver minhas dúvidas, e já indiquei para várias amigas”, conta.

A campeã de dúvidas, segundo avaliação dos próprios professores, é a crase, mas há questionamentos também sobre vírgula, ortografia e concordância. As perguntas mais difíceis de responder são a dos estudantes de concursos públicos. “As questões gramaticais das provas de concursos são extremamente complexas e várias pessoas que estudam para um cargo público ligam para o Plantão. Se não sabemos na hora, pesquisamos até encontrar a resposta certa, e é nessa hora que nós aprendemos também”, revela a professora Márcia.

Mas as dúvidas que surgem no Plantão Gramatical não remetem apenas ao mundo da Língua Portuguesa e da Literatura. Ligações em busca de telefones de órgãos públicos aparecem de vez em quando para os professores. “Ligaram pedindo o telefone do INSS, pesquisamos e ajudamos a pessoa, mas um dia pediram o telefone do Padre Marcelo Rossi, assim fica impossível ajudar”, explica, rindo, Márcia Linhares. A professora lembra ainda que eles atendem também pessoas com questionamentos bem simples como “O que é tesoura?”, “O que é o Sol?” Quando isso acontece, o conceito do dicionário prevalece.

O professor Leandro recorda que algumas situações são até um pouco constrangedoras, quando, por exemplo, perguntam sobre o significado de palavras de conotação sexual. “Não sabemos se é uma brincadeira, mas nosso papel é responder o significado correto”, explica. Outras situações delicadas são os pedidos de interpretação de laudos médicos e correções de poemas. Segundo a professora Márcia, neste momento, é preciso ter muito cuidado, “porque existe a questão da licença poética, mas o pior é quando pedem nossa opinião, é delicado avaliar um trabalho desse tipo”.

Os mal-entendidos não são constantes, mas, às vezes, acontece da pessoa desligar insatisfeita. Foi o que aconteceu com a professora Lílian por culpa da obra do escritor José de Alencar. “Na conversa, em algum momento, citei a palavra esdrúxula, porque tinha a ver com explicação sobre a obra. A pessoa não entendeu, achou que eu estava xingando, detonando a obra do José de Alencar. No final me esculhambou e antes que eu pudesse explicar o que era esdrúxula, desligou o telefone na minha cara”, conta.

O professor Leandro lembra muito bem do ano de 2009, quando começou a trabalhar no Plantão Gramatical. Foi o ano do início do acordo ortográfico. “Na época ele foi muito mal compreendido e tivemos uma avalanche de dúvidas sobre a reforma. Hoje vejo uma mudança no número de ligações sobre o assunto, mas ainda surgem muitas dúvidas”, explica.

A jornalista Isabelle Vieira é usuária frequente do Plantão Gramatical justamento por causa do acordo ortográfico. “Meu problema é o novo português, essa acentuação dos ditongos e a queda dos hífens é o pior. Nesses casos ligo para o Plantão para confirmar a mudança na regra”, explica. Ela explica que consulta muito o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), que possui uma lista de palavras oficiais da Academia Brasileira de Letras, mas mesmo assim em algumas situações, principalmente no trabalho, ainda precisa do Plantão Gramatical.

Para quem não pode telefonar para o Plantão, os professores indicam a posse de um bom dicionário, em papel ou eletrônico, como o Aurélio e o Houaiss. As melhores opções gratuitas são o Volp, o Priberam e o Aulete, todos disponíveis online, segundo a professora Márcia Linhares. Mesmo diante de tantos recursos, Leandro Lelis alerta: “Às vezes a internet ajuda na significação de palavras, mas com relação à concordância e a outras situações mais complexas, o diálogo com o professor é o mais seguro”.

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