Educação

Organizações reagem ao método fônico e pedem diálogo para MEC na alfabetização

Para instituições, a disputa entre concepções e métodos não pode obscurecer a finalidade de alcançar todos os sujeitos e grupos que têm direito de se alfabetizar

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Mais de 100 organizações se manifestaram publicamente em uma carta endereçada ao Ministério da Educação pedindo diálogo na discussão e proposições para a política de alfabetização no País.

O movimento é uma resposta às declarações dadas pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, e o secretário da Secretaria de Alfabetização, Carlos Nadalim, que têm defendido o método fônico como solução para os desafios da agenda e demonizado o letramento como o vilão da alfabetização.

Na contramão do governo e sua tese por um único método, o documento defende a “pedagogia da alfabetização”, que não nega sua faceta fonológica, mas que tampouco considera um único método. O documento é acompanhado de uma petição de adesão à manifestação, que pretende somar 5 mil assinaturas.

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Para Isabel Frade, presidente da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf) – uma das signatárias da carta- , apostar que o método fônico é capaz de resolver as questões da alfabetização é “utilizar uma explicação abreviada e preocupante”.

Corrobora com a opinião a professora da Faculdade de Educação da UFMG e membro da comissão articuladora do Fórum Mineiro de Educação Infantil, Mônica Correia Baptista. “Já superamos essa guerra de métodos”, atesta.

As pesquisadoras, em conjunto com os demais signatários do documento, como Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito À Educação, fóruns de educação e grupos de pesquisa, defendem a alfabetização como um direito social, para além de uma aquisição individual.

“Compreendida como um direito de todos, a alfabetização exige que a escola, como instituição social, cumpra seu papel de ensinar os princípios básicos da escrita alfabética, mas, também de promover conhecimentos que possibilitem, aos indivíduos e aos respectivos grupos, utilizar a escrita como prática social, em contextos os mais diversos. Se existe uma alfabetização como conjunto de habilidades, essa só se desenvolve plenamente se os indivíduos e grupos fazem uso efetivo dessas habilidades”, traz grafada a carta.

É nesse contexto que as pesquisadoras situam o letramento como processo indissociável da alfabetização. “O letramento é o caminho cultural e social que se faz entre a aquisição do sistema alfabético e o seu uso, não sendo, portanto, um contraponto à alfabetização”, atesta isabel.

“Ser alfabetizado não é apenas entender o funcionamento do sistema alfabético, é ser também capaz de fazer uso disso no cotidiano das mais variadas formas, lendo textos variados e estabelecendo relações a partir deles”, afirma Mônica.

Além de uma questão de métodos

Além de pedir prioridade à alfabetização no campo das políticas públicas, a carta fala sobre a necessidade de “um olhar retrospectivo” para as estratégias que foram desenvolvidas ao longo do tempo.

Para os signatários, há uma “conclusão equivocada” e “amplamente difundida de que a alfabetização não avança no Brasil”, fruto de uma “análise isolada de índices”, que não considera as séries históricas.

“Do final do século XIX até as primeiras décadas do século XXI passamos de 17,7% de alfabetizados (primeiro censo de 1872, sem considerar a população escrava) para 93% da população com 15 anos ou mais de idade”, cita a carta, ao recorrer a dados do IBGE de 2017.

“Até a década de 70 tínhamos um discurso muito forte de método no sentido escrito, mas 50% das crianças saíam da escola sem ler e escrever. Se esse método era tão bom por que não resolveu o problema? É preciso considerar que essa população era a que, majoritariamente, não tinha assegurado o acesso à escola e nem condições de se manter nela”, analisa Isabel.

Para ela, reduzir a alfabetização a uma questão metodológica é fazer uso de um viés ideológico que vai prejudicar uma parcela da população que tem o direito de aprender a ler e a escrever.

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“Tem tudo a ver com o direito a educação, mas também com o direito a estudar, porque não basta oferecer a escola, é preciso ter qualidade, bons materiais didáticos, professores bem formados, e outros direitos garantidos, como cultura, saúde, inclusão”, reflete.

O cenário é o mesmo que projeta os desafios sobre o alfabetismo funcional. Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) 2018 contabilizam que 3 em cada 10 brasileiros têm muita dificuldade para fazer uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas em situações da vida cotidiana, como reconhecer informações em um cartaz ou folheto ou ainda fazer operações aritméticas simples com valores de grandeza superior às centenas.

Para as pesquisadoras, o cenário é conhecido e inclusive considerado nas principais políticas públicas brasileiras, como o Plano Nacional de Educação e a própria Base Nacional Comum Curricular.

“Isso tudo vem sendo construído com base em evidências científicas. O que não podemos é voltar ao século XIX e ignorar a complexidade da alfabetização. É sabido que quanto mais aproximamos as crianças do uso social da escrita, mais facilidade ela terá em aprender”, reitera Mônica, que acrescenta:

“É muito mais complexo do que dizer que com um método vamos resolver ou melhorar a situação. Acho que isso é enganar a população e não tem nada de inocente nisso. Entendo que há interesses comerciais por trás”, problematiza.

A colocação da pesquisadora dialoga com outro trecho da carta, que diz: “a disputa entre concepções e métodos não pode obscurecer a finalidade de alcançarmos, por todos os meios, os sujeitos e grupos que têm direito de se alfabetizar”.

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