Educação

Opinião: USP adere artificialmente ao Sisu

Segundo Gilberto Alvarez, instituição elevou nota de corte para as vagas de cotistas, que ficaram ociosas e retornaram para o sistema da Fuvest

Créditos: Paulo Pinto/ Agência PT
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Por Giba Alvarez 

São muitos os estudos que revelam os ganhos que políticas inclusivas proporcionam à sociedade como um todo, e não somente ao contemplado com uma vaga com base nas leis de cotas étnico-raciais ou para pessoas com deficiências. O mesmo se dá em relação aos que concorrem com base na reserva mínima de vagas para egressos da escola pública.

Na soma, as cotas geraram efeitos democratizantes e o registro de desempenho de cotistas tem revelado outro aspecto do acerto dessas políticas. Cotistas praticamente não colaboraram com os números de evasão nos últimos cinco anos e obtiveram em muitos cursos desempenho igual ou superior aos demais.

Essas constatações dizem respeito à presença de cotistas nas universidades federais brasileiras. Estas instituições testemunham que, para além das políticas de acesso com as cotas, esse universo institucional também acertou quando optou, quase majoritariamente, pelo Enem como porta de entrada para seus cursos.

Na soma, temos estratégias democratizantes que se somaram e concretamente fizeram com que  passassem a chegar à universidade pessoas até então preteridas.

USP

Essa situação, porém, tem particularidades no âmbito da Universidade de São Paulo (USP), que ainda causam perplexidade.

Em 2015, a USP admitiu em suas normas regimentais a adesão ao Enem, facultando a cada curso estabelecer critérios de pontuação para cada área e, no mesmo processo, aderiu ao princípio das ações afirmativas, tornando o dispositivo das cotas também um componente de seus processos seletivos.

Todavia, a adesão ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) revelou detalhes da dinâmica “uspiana” que indicam necessidade de rever algumas estratégias, sob pena de fazer com que a força democratizante do Enem seja esvaziada e se torne, na prática, outra expressão de elitismo a somar-se àqueles que têm sido historicamente reconhecidos na instituição.

Neste ano, estudantes que tentaram vagas nos cursos da USP via Sisu, principalmente pelas cotas de escola pública e raciais, não esperavam que a indicação das notas mínimas do Enem estivesse num patamar tão elevado que inviabilizasse o acesso aos cursos mais disputados.

Dentre esses, alguns permaneceram com vagas ociosas, uma vez que a nota de corte de determinadas áreas impediu o acesso mesmo de candidatos com pontuação promissora.

O curso de medicina da USP no campus Clínicas teve mais vagas do que candidatos habilitados a concorrem dentro desses parâmetros.

As vagas não preenchidas por candidatos inscritos para a disputa via Enem são reencaminhadas para o cálculo via Fuvest, preservando a proporcionalidade das cotas.

Mesmo assim, corre-se o risco de promover uma adesão artificial ao Enem no que diz respeito aos cursos mais procurados, fazendo com que em termos concretos a Instituição ostente adesão às políticas de democratização do acesso, mas, paradoxalmente, colabore para que os cursos mais elitizados permaneçam tal como estavam.

Corre-se também o risco de estigmatizar o Enem no âmbito da USP com via de acesso de “menor valor”.

Não se trata de defender notas de corte incompatíveis com as exigências mínimas dos cursos em questão.

Mas há detalhes que merecem revisão, considerando serem inadmissíveis vagas públicas ociosas. Dentro dessa situação, alguns cursos sequer tinham candidatos inscritos.

É possível ter certeza disso, porque quando o sistema não consegue calcular notas parciais de corte é porque não há mais candidatos que vagas e cursos como os de engenharia de São Carlos ou Medicina em São Paulo que não efetivaram esse cálculo.

É imensamente positivo que a principal universidade brasileira esteja participando do mesmo processo de democratização do acesso que tem sido vivido nas universidades federais.

Enem e cotas são mais do que boas notícias, são conquistas.

Conquistas devem ser tratadas com muito zelo, atenção e avaliação permanente para que, no âmbito das decisões colegiadas, não sejam esvaziadas.

Gilberto Alvarez, o Giba, é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.

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