Educação

O sarampo voltou

Brecha em vacinação permitiu que doença fatal nas crianças mais carentes voltasse a ocorrer

Calendário nacional de vacinação
Recomendação da OMS é que acima de 95% da população de zero a cinco anos esteja vacinada. sarampo saúde vacina doença epidemia vacinação
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Embora não fosse formalmente erradicado, o sarampo era considerado uma doença do século passado no continente americano. Na primeira década do milênio, apesar das constantes epidemias na África e Ásia e dos milhares de casos na maioria dos países europeus, o vírus raramente encontrava quem vitimar por aqui. Motivo: as pessoas tinham anticorpos para o sarampo por terem sido vacinadas.

Eis que o vírus encontrou uma brecha.O país em que o retrocesso da doença está mais em voga são os Estados Unidos. Em 2014, foram confirmados mais de 600 casos e, no primeiro mês deste ano, já haviam sido registrados mais 81. A quantidade, não tão grande perto dos 140 mil casos mundiais, chegou aos veículos de imprensa porque metade das contaminações foi originada nos parques da Disneylândia na Califórnia, que recebem turistas do mundo inteiro. Agora, mais de mil pessoas já fizeram exames com suspeitas e aguardam resultados no estado vizinho do Arizona.

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No Brasil, os casos começaram a aumentar em 2013. Foram 220 concentrados em Pernambuco, que registrou exatas duas centenas de vítimas. Entre estes, um bebê de 7 meses que já sofria com outras doenças e morreu. No ano passado, um surto maior começou no Ceará, que registrou até agora 718 casos. “Ainda consideramos o surto importado porque sabemos pelo tipo de vírus que não é o circulante por aqui, mas com certeza a maior parte das transmissões já foi feita no Brasil”, diz Cláudio Maierovitch, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

A situação é considerada preocupante. O sarampo é uma doença imunodepressora fatal entre as crianças mais carentes com quadros de anemia e, mesmo entre as plenamente saudáveis, viabiliza o aparecimento de complicações com otite e pneumonia. A contaminação se dá pelo ar, de maneira que a vacina é a única forma de evitar que a doença circule.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde é que acima de 95% da população de zero a cinco anos, esteja vacinada. “No Brasil como um todo estamos acima deste índice, mas o problema é a homogeneidade, se em uma microrregião tivemos grupos não vacinados já é o suficiente para propagar”, comenta Maierovitch.

Pelo calendário oficial de vacinação, bebês de 1 ano recebem a primeira dose na tetra viral (que também é contra caxumba, rubéola e varicela) com um vírus vivo atenuado em laboratório, capaz de provocar a produção de anticorpos, mas não a doença. Três meses depois, deve-se tomar a segunda dose.

Por conta do surto do ano passado, a Campanha Nacional de Vacinação, que é prevista a cada cinco anos exatamente para aumentar a cobertura em toda a faixa etária de risco, foi adiantada de 2015 para o fim de 2014. Além disso, no Ceará, a primeira dose da vacina passou a ser dada após apenas seis meses de vida. “Especificamente por lá estamos com mais de 100% de cobertura, ou seja, algumas crianças chegaram a receber mais doses que o mínimo necessário, mas ainda não estancamos o surto”, explica Maierovitch.

Como isso é possível? Uma das possibilidades é que tenha ocorrido por aqui o mesmo que nos EUA, famílias tenham deixado de vacinar pela convicção de que o vírus e os componentes podem causar danos à criança. “Embora esse movimento seja menor no Brasil, já tivemos em São Paulo um caso em que sete crianças de uma mesma creche pegaram o vírus porque todos os pais tinham uma filosofia de não dar a vacina. Colocaram em risco aquelas crianças e a circulação do vírus.” Lamenta o diretor do Ministério da Saúde.

Os grupos antivacinas fortaleceram-se em 1998, quando um pesquisador britânico publicou estudo que relacionava a tríplice viral (igual à nossa tetra, mas sem a proteção contra a varicela) a casos de autismo. Nunca mais houve relação e, em 2010, uma comissão de ética descobriu falsificações da pesquisa e a invalidou, mas ainda há quem acredite em perseguições da indústria farmacêutica e deixe de vacinar.

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O brasileiro Alysson Muotri, um dos cientistas mais expoentes do mundo no assunto, é taxativo: “A vacina não causa autismo”, garante. Segundo ele, essa possibilidade já foi descartada e o último trabalho sobre o tema, que analisou 12 milhões de indivíduos, encontrou até uma sugestão em contrário, de que vacinas protegem contra o autismo. “Mas foi uma relação fraca”, afirma.

“É possível que alguns autistas possam reagir negativamente à vacina, da mesma forma que reagiriam a uma gripe. As reações seriam consequências e não causa do autismo” afirma Muotri. “Acho que os surtos recentes são reflexos desse movimento antivacina, numa geração que não tem ideia do que era a humanidade antes deste recurso”, conclui.

O infectologista Gustavo Johanson, do Ambulatório de Medicina do Viajante da Universidade Federal de São Paulo, ressalta que qualquer pessoa pode ir a um posto de saúde em qualquer ponto do Brasil e pedir para receber a vacina, caso não tenha certeza se foi vacinado. “No caso de professores que trabalha com crianças é especialmente importante. No adulto, pode não haver consequências mais graves, mas ele vai garantir que não seja um condutor da doença para quem corre riscos.”

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