Educação

O que falta para chegarmos lá

Apesar da evolução, 
o Brasil ainda patina nos últimos lugares 
do ranking do Pisa. 
O que precisamos fazer para deslanchar?

Avaliação||Nilson Machado
Prova também apontou baixo investimento brasileiro em educação ||
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Divulgados no fim de 2013, os resultados do último Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa) trazem notícias boas e más sobre a evolução da qualidade da educação brasileira. Na última década o País foi o que mais evoluiu no desempenho em Matemática (foco desta edição do exame) : passou de 356 para 391, um aumento de quatro pontos por ano. Por outro lado, nossos alunos de 15 anos estão bem abaixo dos demais.

Com 402 pontos na média geral, o Brasil está no pé do ranking – em 58º lugar entre 65 países. No ritmo atual, ainda levaria muito tempo para atingir os níveis dos demais membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pela elaboração do exame. Em proporção, demoraríamos 61 anos para atingir a média de Leitura, 18 anos para a de Matemática e 43 para a de Ciências, segundo cálculo de Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP.

Para chegar ao resultado, Alavarse, especialista em educação básica, tomou como referência a média de desempenho da OCDE e adotou a tendência linear das proficiências registradas desde 2000, partindo da premissa de que não haverá alterações significativas no quadro socioeconômico dos países envolvidos. “A linha de tendência mostra que o desempenho está crescendo, mas o ritmo precisa ser acelerado”, defende.

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, classificou a evolução do desempenho do País como uma “grande vitória”. Mercadante destacou a evolução brasileira em Matemática, a redução da repetência escolar e o aumento do número dos alunos de 15 anos de idade em sala de aula ao apresentar os dados da avaliação internacional, em dezembro de 2013.  Contudo, embora entenda que “o resultado em relação à nossa evolução é uma grande vitória da educação brasileira”, ele ressalvou, à época: “Não podemos nos acomodar e temos ainda um atraso histórico muito grande quando falamos em qualidade. Fizemos muito, mas temos que fazer muito mais”.

Para o matemático Nilson José Machado, professor da Faculdade de Educação da USP, é retórica dizer que o Brasil melhorou seu desempenho no Pisa. “Nos três exames, eu diria que continuamos estagnados”, analisa. O grande nó, para ele, é o de sempre: as más condições de trabalho do professor brasileiro. “Há um piso salarial docente bastante baixo, mas que mesmo assim não é cumprido em pelo menos 11 estados”, critica. Outro ingrediente é o descumprimento da lei nacional 11.738/2008, que além de ser a responsável por estabelecer o piso salarial, determina que ao menos um terço da carga de trabalho do professor seja cumprido fora da sala de aula.

Essa disponibilidade de tempo, para que o docente corrija provas, prepare aulas e conviva com os alunos não é respeitada nem em estados grandes, como São Paulo, diz Machado. A área de Física no Ensino Médio, exemplifica, tem duas aulas por semana no currículo regular. Um professor contratado para cumprir 40 horas-aulas precisa de ao menos 16 turmas de alunos. “Como nenhuma escola tem 16 turmas de Física para dar ao professor, ele precisa dar aula em duas ou três escolas apenas para conseguir cumprir sua carga horária”, analisa. “O foco fundamental do problema está nas más condições- de trabalho do professor, que passa pelo salário, mas não se esgota nele”, explica.

Doutora em Educação pela PUC-SP, Ana Lúcia Manrique credita os baixos desempenhos no exame à infraestrutura das escolas, à falta de formação inicial e continuada dos professores, aos materiais pedagógicos e à metodologia adotada para ensinar Matemática e outras ciências exatas. Segundo ela, a maior parte das aulas é apenas teórica, sem utilização de materiais pedagógicos e muito focada no livro didático. “Falta experimentação e motivação das crianças com relação ao estudo.”

A proposta do Pisa, realizado desde 2000, é avaliar estudantes de 15 anos de idade, matriculados a partir do 7º ano de estudo. O exame acontece a cada três anos e cada edição é focada em uma das áreas principais de estudos. No Brasil, o teste é feito em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).  Em 2012, 19.877 estudantes, de 837 escolas de todo o País, participaram da avaliação, de acordo com o relatório publicado pela OCDE.

Nilson Machado Nilson José Machado, professor da Faculdade de Educação da USP

Apesar de reconhecer que o Brasil partiu de patamares muito baixos e de elogiar a universalização da Educação Básica nos últimos anos, o mesmo texto credita parte da melhora nos resultados em Matemática entre 2003 e 2012 aos avanços econômicos, sociais e culturais experimentados na última década, e não a uma evolução específica na qualidade da educação oferecida aos alunos. As razões para a melhoria estariam ligadas, assim, à expansão do acesso dos alunos a bens de consumo e aos meios de informação, como o computador e a internet, que fazem parte da sociedade letrada.

O baixo nível de proficiência ainda é um dos maiores entraves para o avanço brasileiro no ranking. Em Matemática, 67% dos estudantes avaliados não atingiram o nível 2 na escala de proficiência da prova, o mínimo estipulado pela OCDE para que o aluno possa exercer plenamente sua cidadania. Ou seja, não conseguem ir além da resolução de problemas básicos, em que as questões são definidas com clareza, envolvendo contextos conhecidos, nos quais todas as informações relevantes estão presentes. Apesar de estar abaixo da média da OCDE, a proporção de estudantes nesse patamar reduziu desde 2003, quando era de 75% do total.

Ao mesmo tempo, não houve aumento do número de estudantes nos níveis mais altos de proficiência (5 e 6) entre 2003 e 2012. Para a OCDE, isso “pode indicar que o País não está se preparando para formar adequadamente estudantes para funções mais complexas, que demandam grande conhecimento de Matemática, como a área de Engenharia”. Entre os estudantes brasileiros, apenas 1% é considerado top performers na disciplina.

A mudança de metodologia, na opinião de Ana Lúcia Manrique, deveria ser o foco da atuação das políticas públicas atualmente. “Formação de professores, infraestrutura e currículo são coisas de longo prazo. Mas trabalhar com metodologias que facilitem o aprendizado das crianças é o ponto em que conseguimos atender o aluno mais rapidamente”, defende.

Outro ponto a ser trabalhado é o resgate do trabalho coletivo dos professores de uma mesma escola. “Perdeu-se muito a questão de compartilhar as experiências, em grande parte porque o professor precisa dar aula em várias escolas e não tem condições de se envolver com os alunos daquela escola ou de articular um projeto interdisciplinar”, explica.

Para Nilson Machado, outro problema estrutural que trava a ascensão do Brasil nos níveis de proficiência do Pisa é o gigantismo e a centralização das ações educacionais no País. “Há uma concentração muito grande de força e poder, o que torna a burocracia enorme para as coisas andarem.” Na visão do matemático, seria interessante uma política nos três níveis – municipal, estadual e federal – capaz de reconhecer e identificar as escolas que funcionam bem e articular as boas experiências. “As ações nos níveis federal e estadual, em geral, são de terra arrasada: nada está funcionando, então é preciso começar do zero. Mas há escolas que funcionam bem, nós é que não reconhecemos e valorizamos”.

Em Leitura, disciplina com mais alto desempenho do País, 49% dos alunos estão classificados abaixo do nível 2. Isso significa que eles conseguem, no máximo, identificar o tema principal em um texto sobre um assunto familiar e fazer conexões simples entre a informação presente no texto e o senso comum. Como gargalos na área, Luiz Antônio Prazeres indica a formação deficiente do professor brasileiro e o distanciamento entre o que a escola ensina e o que a sociedade exige em termos de leitura.

“O exame do Pisa trabalha os usos contemporâneos da leitura, e a escola ainda está atrasada com relação a isso.” No entanto, o especialista acredita que as transformações na educação acontecem de maneira lenta. “Não se espera que o resultado ruim vá melhorar de um dia para o outro. Tem havido uma evolução lenta, mas ela tem acontecido”, defende o professor do curso de Letras do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Apenas 0,3% dos alunos de 15 anos conseguiram atingir os níveis mais altos em Ciências na última edição do Pisa. E 61% têm desempenho baixo na disciplina, capazes somente de apresentar explicações científicas óbvias para as questões propostas.

“Ciências deveria ser a paixão de todo aluno do Fundamental, mas não é”, lamenta Ana Lúcia. Parte da culpa, afirma, está na falta de laboratórios e na pouca ênfase dada à formulação de hipóteses e às experimentações nas escolas brasileiras. “Os alunos decoram algumas coisas, mas não testam nem elaboram hipóteses”, conta. Mesmo a questão da utilização do laboratório (quando ele existe na escola) não é simples de ser resolvida: é preciso contratar um técnico para preparar os materiais que serão utilizados, fazer a manutenção e a limpeza do local. “Não dá para o professor preparar todo o material e, geralmente, ele não tem tempo também para isso, pois dá aula em vários lugares e acaba não usando o recurso.”

Para o diretor de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, o Brasil precisa investir seus recursos em educação de maneira mais efetiva, priorizando os anos iniciais do Ensino Básico. Além disso, é essencial atrair os professores mais talentosos para as escolas mais vulneráveis e reduzir as taxas de reprovação no País. “Acredito que o Brasil esteja indo bem, mas, com esse ritmo de mudanças, ainda levará muito tempo para atingir a média da OCDE. Foi uma boa melhora, mas ainda há muito a ser feito”, resume.

*Colaborou Thais Paiva

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