Educação

O mito do apagão de engenheiros

Estudo nega escassez 
de profissionais na área, estagnada no Brasil nos anos 1980 e 90

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Estudo realizado em conjunto por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da USP revela que o Brasil não corre o risco de sofrer um apagão de engenheiros – o que existe é uma falta de profissionais qualificados e experientes. Apesar de sinais de pressão no curto prazo no mercado de trabalho, o número de vagas de emprego e formados trabalhando na área vem crescendo desde 2000, puxados pelo crescimento econômico do País.

Atualmente, o Brasil forma em média 40 mil engenheiros por ano. As matrículas nos cursos de engenharia, nos últimos 12 anos, aumentaram quase 400%. E os salários dos formados estão entre os dez maiores de todos os cursos superiores. A atratividade da carreira para os estudantes é explicada em parte pelo cenário econômico brasileiro atual. Na década de 1980, porém, as oportunidades para a carreira estavam em baixa, resultando em poucos engenheiros formados.

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Para chegarem a essa conclusão, pesquisadores utilizaram informações da Engenharia Data, base de dados feita pelo Observatório de Inovação e Competitividade da USP, que utiliza dados sobre matrículas e número de formados do Censo da Educação Superior do MEC e informações do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) colhidas pelo Ministério do Trabalho.

A investigação sugeriu que não havia escassez generalizada de profissionais, mas sim um reflexo de um hiato geracional surgido na década de 1980. “Em entrevistas com gerentes de engenharia, percebemos que há falta de engenheiros líderes de projetos, mais experientes, que deveriam ter se formado nos anos 1980 e 1990”, explica Mario Sergio Salerno, professor titular da Escola Politécnica da USP e um dos autores do artigo.

Além do hiato geracional, o artigo “Uma proposta de sistematização do debate sobre falta de engenheiros no Brasil” aponta algumas hipóteses que podem explicar a percepção de certos agentes econômicos sobre a escassez de mão de obra na área. As principais são os déficits de profissionais em áreas específicas, como a naval e a de petróleo e minas, as desigualdades regionais de distribuição de engenheiros e a qualidade dos profissionais formados.

Segundo Bruno Cesar Araujo, pesquisador do Ipea e também autor do artigo, apenas um terço dos alunos de cursos de Engenharia está matriculado em faculdades de boa qualidade. “Não existe um contingente suficiente, com qualidade, para topar os desafios da profissão, que são cada dia mais complexos”, analisa.

A não existência de gargalos não significa, porém, que não haja necessidade de ampliação de investimentos no ensino de engenharia, em particular nas universidades públicas. Mario Sergio Salerno, da USP, explica que no Brasil apenas 6% do total de formados no Ensino Superior é oriundo de cursos ligados à Engenharia.

Na Coreia, por exemplo, o porcentual chega a 25%. “Há uma relação positiva entre a renda per capita de um país e o número de profissionais atuando em carreiras científicas”, explica Araujo. Para ele, o atual desafio é a produtividade, que só poderá ser desenvolvida com novas tecnologias e soluções.

O trabalho em transição

Avanço tecnológico e recessão impõem novas demandas educacionais mesmo em áreas ondem faltam profissionais. “Enquanto minha geração teve de lutar pelos melhores cargos, a dos meus filhos terá de inventar os melhores empregos.” A afirmação de Brian Gonzalez, diretor de educação da Intel, reflete uma condição tão urgente quanto repor a carência de trabalhadores em áreas tradicionais, como a engenharia: escola e programas pedagógicos precisam evoluir no mesmo ritmo que as demandas profissionais.

“O que vemos hoje (na escola) é principalmente a demanda por novas habilidades”, diz Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

Anthony Salcito, vice-presidente de educação da Microsoft, concorda: “Algumas habilidades ganharam importância: formas de pensar, como usar ferramentas de informação para tomar melhores decisões, meios de trabalhar em equipe e, em especial, como se beneficiar da tecnologia para ampliar os empregos”.

Para os especialistas, o descompasso entre a formação oferecida pelas escolas e as demandas do mercado de trabalho agrava-se em ­momentos de recessão econômica, como a que abateu os EUA e o mundo após 2008. Segundo Veloso, crises estreitam oportunidades e, por isso, requerem ritmo acelerado de inovação.

“As crises ­destroem empregos e às vezes de forma definitiva. Nos EUA, por exemplo, embora a taxa de desocupação tenha caído de 10% para pouco mais de 7%, há uma parcela significativa de trabalhadores parada há muito tempo”, afirma. Para o economista, uma das razões é a dificuldade de essas pessoas se adaptarem. “A realocação é bastante difícil, pois para muitos falta qualificação para migrar para setores mais dinâmicos.

A dificuldade em remediar reforça a importância da prevenção na escola. “As novas tecnologias exigem mudanças frequentes no mercado de trabalho. O profissional deve ser capaz de se adaptar a empregos que nem se imagina que possam vir a existir”, afirma Veloso. Para o economista, esse caminho envolve flexibilizar o Ensino Médio: menos matérias obrigatórias, com foco em matemática, português e ciências, e um leque maior de disciplinas eletivas, “para dar liberdade aos alunos montarem suas trajetórias”.

“Expandir o alcance do conhecimento tornou-se crucial porque a complexidade dos problemas cresce exponencialmente”, afirma Gonzalez. Para ele, o mais importante hoje não é expandir o acesso a dispositivos digitais, mas certificar-se de que esses aparatos serão usados para ampliar vagas de trabalho: “Vou ao dentista e ele tem toda uma gama de apetrechos ultratecnológicos, mas a escola de meus filhos, em São Francisco, é igualzinha à minha de 30 anos atrás”.

O americano preocupa-se por concluir que “a tecnologia está comprometendo mais as crianças com o jogo, como no Xbox e no iPad, do que com o aprendizado”.  – Por Rafael Gregório

*Publicado originalmente em Carta na Escola

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