Educação

Escolas ensinam programação para crianças

Mais do que habilitá-los na linguagem 
das máquinas, as aulas têm como proposta o estímulo da criatividade e do pensamento lógico

em SP
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“Gente, vocês estão liberados, podem ir embora”, diz o professor Marco Giroto diante da inércia dos alunos após o término de mais uma aula de programação na escola SuperGeeks, localizada na zona sul de São Paulo. Os pequenos estão hipnotizados pelos personagens que acabaram de criar em sala de aula, que correm, dão piruetas e emitem sons em resposta a seus comandos – o primeiro passo na invenção de seus próprios games.

“Todas as turmas são assim, querem ficar sempre mais. Elas mal aprendem a fazer o personagem andar e já querem saber como voa, como explode tal coisa”, conta Giroto, um dos sócios-fundadores da escola e responsável pelas aulas.

A SuperGeeks parte do interesse das novas gerações pelo universo dos jogos para capacitar alunos a partir dos 8 anos na linguagem das máquinas. Nas aulas semanais de uma hora e meia, os aprendizes são apresentados de forma lúdica aos códigos por trás de games, aplicativos, sites e softwares.

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Mais do que habilitá-los nas ciências da computação, as aulas de programação têm como proposta o estímulo da criatividade, do pensamento lógico, da visão sistêmica e do trabalho em grupo. “Do mesmo modo que aprendemos Química não necessariamente para nos tornarmos químicos, o ensino da programação não visa formar programadores, técnicos em TI. Mas colocar diversas áreas do conhecimento em prática e familiarizá-los com essa linguagem essencial para o futuro”, afirma o professor.

O projeto de montar a escola surgiu quando Giroto e seus sócios estavam morando no Vale do Silício, na Califórnia (EUA), considerado o mais importante polo de desenvolvimento científico em eletrônica e informática do planeta. Na ocasião, formava-se no país o movimento Code.org sobre a importância de ensinar a linguagem de codificação de computadores nas escolas, apoiado por importantes personalidades do ramo da tecnologia como o criador da Microsoft, Bill Gates, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, e pelo próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Dentro desse contexto, surgia em 2013 a Hour of Code (Hora de Programar, em tradução livre), campanha para aproximar os alunos dos princípios da linguagem dos computadores por meio de tutoriais de apenas uma hora disponíveis online, desmitificando a complexidade atribuída a esse campo do conhecimento. O impacto foi enorme. Segundo a Code.org, 15 milhões de estudantes de 170 países praticaram pelo menos uma hora de programação por meio da campanha e mais meninas se envolveram com a área de Ciência da Computação entre 2013 e 2014 do que nos últimos 70 anos. “Esse movimento de tornar obrigatório o ensino da programação de computadores nas escolas vem ganhando força ao redor do mundo. Na Coreia do Sul, por exemplo, isso já é visto como prática”, diz Giroto.

Outro exemplo é a Inglaterra, que a partir de 2015 terá a programação como disciplina obrigatória do currículo. Além disso, desde 2012 o país abriga a iniciativa Code Club, uma rede de voluntários que ensinam a linguagem das máquinas como atividade extracurricular nas escolas, bibliotecas e outros espaços de convívio por meio de jogos, animações e páginas da internet. “A programação está no nosso dia a dia, do celular à catraca do ônibus. Se quisermos deixar de ser controlados pelos softwares e passar a controlá-los, temos de saber como funcionam. Mais do que meros usuários, precisamos ensinar as crianças a ser criadoras dessas tecnologias”, defende.

Interesse por parte delas parece não faltar. Na SuperGeeks, 70% das matrículas são feitas a pedido dos alunos. “Na maior parte das vezes, as crianças ficam sabendo do curso e vão pedir para os pais e não o contrário.” É o caso de Caio Rodrigues, de 6 anos, que, mesmo abaixo da idade mínima, está no curso com a condição “de estudar mais que os outros”. “Ele vem jogando no computador há bastante tempo e é muito interessado no assunto. Como queria desenvolver games e aplicativos, procurei a escola. É o que ele gosta de fazer, então eu incentivo, ajudo a estudar em casa. Aliás, se eu esqueço, ele me cobra”, conta Fábio Rodrigues, pai de Caio.

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No Colégio Visconde de Porto Seguro, localizado na capital paulista, o contato com a lógica da programação começa ainda no Ensino Infantil por meio das aulas de Linguagem Digital. Os pequenos, com idades entre 5 e 6 anos, trabalham com a ferramenta TinyTap no desenvolvimento de aplicativos que posteriormente são utilizados em sala de aula.

“Acreditamos que quanto mais cedo a criança tiver contato com essa linguagem, melhor, pois está em processo de desenvolvimento cognitivo”, explica Renata Pastore, diretora de tecnologia educacional da escola. A partir do 3º ano do Ensino Fundamental, as aulas ganham maior profundidade com o uso do software Scratch, que permite aos alunos criar animações, jogos e outras interfaces interativas. Na ferramenta, cada bloco corresponde a um comando computacional, que pode ser agrupado livremente, em um processo semelhante aos blocos de montar.

“A ideia é tornar essa linguagem acessível a todos. Nós não queremos só atingir os alunos com aptidão em computação, mas todos eles, sem exceção. Essa é a preparação que temos de dar para formar alunos para os tempos atuais”, diz Renata.

Para a pedagoga Lisalba Camargo, da Microkids Tecnologia Educacional, empresa capixaba que desenvolve materiais didáticos e softwares com o objetivo de capacitar professores e alunos na área de programação, ensinar a linguagem dos computadores nas escolas é uma oportunidade para tornar os estudantes protagonistas de seu processo de aprendizagem. “Em vez de o professor passar um game já pronto sobre determinado assunto do currículo, por que não construí-lo com os alunos?”, propõe.

Ao trabalhar a codificação em sala de aula, o docente explora inúmeros aspectos do desenvolvimento cognitivo. “A programação envolve lógica, elaboração, interpretação, tomada de decisão. É preciso saber quais são os objetivos, os erros e acertos daquele processo como um todo. Caso contrário, não há resultados”, diz a pedagoga.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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