Educação

Estudantes não precisam da farinata na alimentação

Além da suplementação alimentar não ser uma boa estratégia para o combate à fome, o problema não é uma realidade em São Paulo

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Famílias protestaram contra a farinata nas merendas|O prefeito João Dória não apresentou a tabela nutricional da farinata |
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Ao som de “João Dória, presta atenção, nossas crianças não vão comer ração”, famílias ocuparam a Avenida Paulista na tarde da quinta 19. Organizado pelas mães da escola pública, o ato se opôs à ideia da Prefeitura de São Paulo de inserir a farinata, composto feito de alimentos próximos do vencimento, na merenda das escolas municipais.

Após repercussão negativa e a falta de aprovação da Coordenadoria de Alimentação Escolar, ligada à pasta de educação e responsável pela escolha dos alimentos da merenda, João Dória (PSDB) recuou da decisão de ofertar o produto nas escolas e alegou que o foco da política será a assistência social.

O anúncio do prefeito pela inclusão da farinata nas merendas escolares surgiu dois meses depois de professores e estudantes denunciarem a falta de comida nas escolas e a baixa qualidade dos alimentos ofertados. Na ocasião, Dória rebateu as acusações dizendo se tratar de uma reestruturação alimentar para combater a obesidade infantil.

A contradição no discurso do gestor não passou despercebida pela professora e chefe do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, Patrícia Jaime. “A desnutrição e a fome não são uma realidade do município de São Paulo. Hoje, elas são bastante residuais e verificadas em outros contextos sociais, como em populações indígenas e quilombolas. O que temos cada vez mais na cidade é o excesso de peso e obesidade devido a práticas alimentares inadequadas”, garante.

A especialista, que atuou na Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, e fez a coordenação técnica do Guia Alimentar para a População Brasileira, reforça que a suplementação alimentar como estratégia no combate à fome está superada há mais de 20 anos.

“O Brasil vem experimentando outras abordagens que envolvem os programas de transferência de renda, de apoio à agricultura familiar, de acesso a alimentos saudáveis nos espaços institucionais como as escolas ou em restaurantes. É sabido que, isoladamente, a suplementação alimentar não resolve o problema da fome, tampouco a questão da promoção da alimentação adequada e saudável que é o desafio nutricional que temos na agenda da saúde pública em São Paulo”.

Embora tenha anunciado a chegada da farinata nas escolas ainda em outubro, Dória e sua equipe, em nenhum momento, tornaram públicos uma tabela nutricional do produto ou estudos que comprovassem a carência nutricional dos estudantes e, portanto, a necessidade de um programa de suplementação.

O prefeito João Dória não apresentou a tabela nutricional da farinata

“Qualquer programa de nutrição e saúde pública deve partir de um diagnóstico que indique o estado nutricional da população que se pretende alcançar. Se o prefeito e sua equipe tivessem um mínimo de cuidado deveriam ter anunciado  junto ao lançamento do produto a prevalência da desnutrição da população de São Paulo”, atesta.

Se mantida, a decisão de incorporar a farinata nas escolas romperia com os protocolos de segurança alimentar. A conselheira do Conselho Regional de Nutricionistas, Vivian Zollar, explica que para inserir um alimento nos cardápios escolares, é necessário acessar a ficha técnica do produto com as informações nutricionais, além de laudos microbiológicos e físico químicos emitidos por laboratórios credenciados pela Prefeitura. Também são recomendados testes de aceitabilidade com os estudantes.

Ainda são levadas em conta as necessidades nutricionais diárias dos alunos, de acordo com o tempo em que eles permanecem na escola. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) determina, por exemplo, que escolas que atendem em período parcial devem suprir de 20 a 30% das necessidades nutricionais dos estudantes, com a oferta de uma ou duas refeições, pelo menos; as de período integral, por sua vez, devem responder à 70% das necessidades nutricionais, com a oferta de três refeições ao dia.

“A medida teria que ser ter sido planejada com apoio técnico antes de ser anunciada. E a Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codae) teria que ser a primeira instância a ser consultada”, reforça.

Uma questão de prioridades

Patrícia entende que a gestão do ex-prefeito Haddad realizou esforços para atender às diretrizes do PNAE e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, regulamentada em 2010.

“Com isso, tivemos maior participação de alimentos vindos da agricultura familiar, in natura ou minimamente processados e uma consequente melhora nos cardápios aliada a ações de promoção da alimentação saudável e adequada dentro das unidades, como a capacitação de merendeiras e projetos de horta”.

Em sua análise, a gestão de João Dória ainda não mostrou esforços para a compra de alimentos da agricultura familiar, nem pelo incremento de orgânicos. “Pelo contrário, o que se tem é a ideia de substituí-los por um alimento ultraprocessado, o que só mostra uma verdadeira inflexão de prioridades e de diretrizes para o programa da merenda municipal. Isso preocupa ao passo que se reconhece a importância da alimentação nas escolas para a promoção da saúde dos estudantes do município”, coloca.

Ela entende que o Programa Alimento para Todos erra ao desconsiderar
o diálogo com a sociedade, ao desprezar as evidências científicas que mostram que a suplementação alimentar não é a resposta mais efetiva para a promoção da alimentação saudável, e ao não ter transparência na definição das diretrizes da política pública.

Por isso, defende que a oferta do produto liofilizado seja barrada não só nas escolas, “mas em qualquer outro espaço da política pública de segurança alimentar e nutricional no município de São Paulo, porque viola o direito humano à alimentação adequada e saudável do ponto de vista das diretrizes técnicas, políticas e éticas”, finaliza.

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