Educação
Depois da frustração, ficam a resistência e a resiliência, diz professora vítima de racismo
A professora Odara Dèlé foi vítima de racismo em uma escola estadual na zona norte de São Paulo
Nos sete anos que se dedica à educação, a professora Odara Dèlé luta pela implementação da Lei 10.639, criada em 2003, e que estabelece a obrigatoriedade da temática da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, em espaços formais e informais de educação.
Não foi diferente com os estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual Conselheiro Ruy Barbosa, na zona norte de São Paulo, onde a docente leciona há quatro anos. Odara direciona um trabalho pedagógico contínuo com os estudantes que tem como principal objetivo combater o racismo.
“A partir do momento que se tenta diminuir as ações discriminatórias, se cria um ambiente harmonioso para os estudantes negros e não negros”, conta a professora.
No último dia 1, no entanto, Odara foi vítima do que sempre tentou combater, o racismo. Alunos de uma turma do terceiro ano do Ensino Médio, desenharam uma suástica na porta sala de aula, símbolo do nazismo, acompanhada de palavras pejorativas direcionadas à professora. Odara registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância. O caso segue sendo investigado.
Em entrevista ao Carta Educação, Odara fala de sua atuação como professora e como avalia o ocorrido no atual contexto.
Carta Educação: Como você organiza o trabalho em sala de aula com os estudantes prevendo o combate ao racismo?
Odara Dèlé: A cada ano eu faço um trabalho com linguagens diferentes, diversificando a forma de inseri-los no conteúdo com filmes, músicas, aulas expositivas e outros encaminhamentos. No primeiro ano, conversamos sobre desigualdade racial, mostro a situação do País, pensamos no processo de democracia racial e como isso afeta e também coloco a diferenciação de conceitos como preconceito, racismo, bullying e discriminação.
No segundo ano, discutimos sobre a cultura africana, mergulhamos no continente africano e, no terceiro, discutimos as formas de governo, democracia, nazismo, se elas interferem ou não nas relações raciais.
CE: Você também desenvolveu um aplicativo para apoiar o trabalho, certo? Fale sobre a iniciativa.
OD: Em 2017, eu vi que os materiais que eu utilizava não eram tão atrativos para os jovens, que utilizam muito o celular. Aí veio a ideia do aplicativo, Alfabantu, que tem como proposta principal o processo de alfabetização bilíngue para crianças e adolescentes. A ideia é que eles possam articular palavras e compreender uma língua africana que teve tanta contribuição na língua portuguesa que temos.
CE: De maneira geral, como os estudantes veem esse trabalho?
OD: No primeiro momento sempre há uma repulsa, pelo falso entendimento de que o racismo não existe e não precisa ser combatido. Depois, eles percebem que a discussão é necessária e vão entendendo como funciona o racismo.
Leia Também:
Quinze anos depois, Lei 10.639 ainda esbarra em desconhecimento e resistência
Educação deve ser arma contra o racismo
CE: Qual a importância desse debate e o papel da escola frente ao tema?
OD: Combater o racismo é importante porque a partir do momento que se tenta diminuir as ações discriminatórias se tem um ambiente mais harmonioso para crianças e adolescentes negros e não negros, pensando numa condição de igualdade, de respeito. E a escola tem papel fundamental nessa condução, dado o tempo que os estudantes trilham a educação formal – obrigatória dos 4 aos 17 anos.
A escola deve proporcionar conteúdos, elementos, formas dos estudantes desenvolverem pensamento crítico a partir das problemáticas da sociedade e estimulá-los a terem posicionamento de transformação, tornando-os sujeitos, cidadãos.
Estudantes desenham símbolo do nazismo e direcionam palavras ofensivas à professora. Créditos: Reprodução
CE: Como você avalia o que aconteceu com você na escola?
OD: O agravante do que aconteceu, a meu ver, foi o fato de ter relação com um símbolo nazista que simboliza muita coisa e põe em risco minha integridade física. Mas o avalio como uma nova lógica da sociedade. O discurso de ódio está presente nas conversas entre os indivíduos e questão é que vem saindo da intolerância, do desrespeito e chegando à violência de fato. Temos que tomar cuidado com a forma com a qual reverberamos nossas palavras e também com o tipo de discurso ideológico que apoiamos.
CE: Qual o sentimento que fica, após o ocorrido?
OD: Todo educador é movido a esperança, por mais que encare questões que o desmotive ao longo do processo, a esperança de acreditar que a educação é o potencial de transformação de uma sociedade. Eu já tive meu momento de frustração, mas a partir da fala de outros alunos e professores, que me apoiaram, agora o que fica é resistência e resiliência. É preciso saber olhar para o caos e acreditar que podemos pegar algo de positivo dele, algo que nos mova à ação e à transformação.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.