Educação

De aluno 
a professor

Educadores que trabalham nas escolas 
em que foram estudantes refletem sobre as mudanças na forma 
de educar

Professores começam a dar aula nos colégios em que estudaram
Os professores concordam sobre a falta de valorização professores educadores retorno escola desvalorizacao
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A rotina na escola infantil na qual trabalha a professora Simone Viana, 30 anos, não se sobrepôs às lembranças que ela coleciona do tempo em que estava do lado de lá da mesa do mestre. São vivas em sua memória as brincadeiras em um quiosque hoje demolido para dar espaço ao pátio, o recuo do prédio em que agora há uma quadra e até a disposição dos armários. As recordações mais marcantes, porém, são as relações pessoais que construiu no prédio da Rua Ibiraiaras, na zona norte da capital paulista, assim como acontece com outros educadores que atuam em escolas onde um dia foram alunos.

No caso de Simone, quando se lembra dos tempos de menina na Emei Bilac Pinto,  sempre lhe vem à cabeça a diferença de altura que marcavam a distância entre ela e a professora. “Só lembro das pernas dela, não guardei a fisionomia. Penso nisso várias vezes quando me abaixo para falar com meus alunos. Na importância do olho no olho”, conta.

Para ela, nos 25 anos que separam sua infância de sua docência, aumentou o respeito à criança e, por consequência, melhoraram as condições dentro das escolas infantis. “Ainda não chegamos ao ideal, mas hoje a importância dos primeiros anos é conhecida, e então, tem mais formação do professor e apoio de outros profissionais. A escola chama os pais para conversar frequentemente e a gritaria deu lugar à conversa com os pequenos”, compara.

No Colégio Termomecânica, em São Bernardo do Campo (SP), a professora Vanessa Rodrigues, 27 anos, também está de volta ao local em que se formou no Ensino Médio, apenas dez anos atrás. Conta que havia estudado antes em uma escola estadual, e quando foi transferida acumulava dificuldades de aprendizado, especialmente em Exatas. Em pouco tempo, no entanto, a escola deixou de ser um obstáculo em sua vida e se tornou uma meta.

“Tive aqui um professor que fez muita diferença. Ele explicava de uma forma diferente, e não só eu aprendia como percebi a importância de um mestre dedicado. Eu quis fazer igual”, lembra, orgulhosa de seus bons resultados à frente de um 1º ano do Ensino Fundamental em que 22 dos 24 alunos escrevem textos curtos. “Os dois outros são os que mais lembram a mim mesma e estamos diversificando para que também consigam.”

Na estrutura, Vanessa fala da introdução de tecnologias como computadores e tablets, mas considera como principal mudança o investimento no professor. “Os educadores estão sempre convidados a novas capacitações, existe muita troca de experiência. Acho que o trabalho está mais assistido.”

Aos 45 anos, Pedro Teixeira, professor de Biologia no tradicional Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tem uma lista enorme de coisas que mudaram e, ao mesmo tempo, acha que a essência continua a mesma da época em que ocupava uma carteira, nos anos 1980. “As regras mudaram, as avaliações, a divisão anual do ano letivo, a exigência, mas o brilho nos olhos diante de uma boa aula, isso continua. Eu era assim e me motivo em gerar interesse neles”, opina.

Teixeira diz que conta aos alunos que suas amizades mais próximas ainda hoje são do tempo em que era estudante ali. Para ele, é natural que isso ocorra. “A partir da faculdade a competição pelo mercado de trabalho muda a relação com as pessoas. Os relacionamentos desinteressados da escola são os mais fiéis.”

Conta que cursou Biologia sem pensar em ser professor e chegou a trabalhar com pesquisa, mas foi convencido na Universidade Estadual do Rio de Janeiro a cursar também as disciplinas de licenciatura. Acabou “fisgado” por um concurso do tradicional colégio onde estudou. “A perspectiva de trabalhar no lugar em que vivi tantas alegrias era maravilhosa. Na prática, descobri que mais gratificante era ter um papel importante na vida de tantos jovens”, lembra.

O professor de Física, Renato Villar, 27 anos, teve trajetória parecida e voltou ao Colégio Bandeirantes, em São Paulo, em 2011, apenas sete anos depois de se formar. “Fiz a licenciatura para ter opção, mas trabalhar em uma ótima escola onde eu tinha tão boas lembranças me incentivou”, conta.

Ele diz que o laboratório é o mesmo e chega a dar algumas aulas experimentais exatamente da forma como aprendeu, mas no intervalo a tecnologia aumentou. “Tínhamos computador, mas os tablets mudaram a forma como se consulta informação. Para mim, isso deixa mais claro o papel do professor como formador e estimulador, em vez de informador.”

Os quatro contam que foram bastante desestimulados quando resolveram ser professores. “Um cara inteligente, podia ser tanta coisa”, Renato ouvia. “Coitada, vai limpar bunda e nariz de criança o dia inteiro e ainda ser xingada pelos pais”, diziam para Simone, entre outras lamentações de familiares e até antigos professores.

Eles concordam que a carreira precisa ser mais valorizada financeiramente, mas todos se dizem felizes com suas escolhas de terem voltado à sala de aula. “Saio do meu trabalho realizada, estou sempre aprendendo. Precisa melhorar, mas gosto de fazer parte eu mesma da frente que faz algo para mudar”, afirma Vanessa.

Pai de duas meninas, Pedro avalia como seria se uma das filhas comunicasse que iria seguir a mesma profissão. “Eu apoiaria. Mandaria estudar muito porque é uma profissão difícil. Ia dizer que não se fica desempregado, mas com frequência se ganha mal e que há recompensas, mas é importante se preparar para poder exigir a valorização com mérito.”

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