Educação

Conheça as propostas do PMDB para a Educação

Bônus para professores e diversificação do Ensino Médio estão entre as medidas anunciadas pelo documento ‘A Travessia Social’

Michel Temer|Escola
|Foto: Pedro Ribas/ ANPr |
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Diretrizes genéricas a exemplo de “foco na qualidade do aprendizado e na sala de aula” e “dar consequências aos processos e resultados das avaliações” norteiam as propostas do PMDB para a Educação, segundo o programa A Travessia Social, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, previsto para ser lançado oficialmente caso o vice-presidente Michel Temer assuma a Presidência no lugar de Dilma Rousseff.

O documento, espécie de cartilha com propostas do partido para a área social, diz, por exemplo, ser prioridade a melhoria das séries iniciais da Educação Básica, mas pouco ou nada fala sobre os procedimento que serão implementados para alcançar esse objetivo. No fim de 2015, o PMDB já havia lançado o Uma Ponte para o Futuro, programa contendo as medidas econômicas que seriam adotadas em um eventual governo Temer.

Pagamento de bônus para professores a partir da performance dos alunos e participação em programas de certificação, reforma no Ensino Médio com reestruturação curricular que permita aos alunos já se dedicarem ao ensino profissionalizante nesta etapa e um Pronatec focado nas necessidades dos mercados locais e passível de avaliação de resultados são algumas das preposições apresentadas pelo Travessia.

O teor do documento deixa claro que no governo Temer a questão econômica irá se sobrepor à questão social, critica Daniel Cara, coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Ficou claro que Uma Ponte para o Futuro é que definirá a agenda do Travessia. O Travessia é um programa ultra-liberal, que não garante os direitos de todos os cidadãos”, observa.

Para José Marcelino Rezende, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), o documento revela um olhar superficial sobre as pautas educacionais e, até mesmo, um desconhecimento da área. “O documento fala que o Ensino Fundamental é responsabilidade dos municípios quando, na verdade, é dos estados e municípios. Fica evidente também sua desatualização: usam a nomenclatura ‘segundo grau’, que não existe mais, no lugar de Ensino Médio e falam em séries em vez de anos”, aponta.

Além disso, todo o documento é permeado por um discurso de focalização, isto é, de que não é possível atender a toda sociedade e, portanto, deve-se focar nas parcelas populacionais ou etapas mais necessitadas. “Só que o Fernando Henrique fez isso com o Fundef (Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvimento do Ciclo Fundamental e de Valorização do Magistério) que focou os recursos públicos no Ensino Fundamental e o resultado disso foi a desgraça que virou o Ensino Médio e o esquecimento da Educação Infantil”, lembra Rezende.

Entre as proposições mais polêmicas do documento está o pagamento de bônus para o professor. A estratégia “meritocrática” não é novidade, já sendo adotada por diversas redes de ensino Brasil afora, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará.

Para os especialistas em Educação, no entanto, as políticas de bonificação são ineficientes como método para alavancar a qualidade do ensino, pelo contrário, acabam gerando uma competição nociva entre os docentes e moldando a educação dentro de uma concepção mercadológica.

O modelo parte ainda do raciocínio de que o docente é o único responsável pelo sucesso ou fracasso do aluno, mesmo que não tenha possibilidades reais de alterar as condições de precariedade da escola em que leciona. “A bonificação tem por trás uma proposta de hiperresponsabilizar os professores pelos resultados. Em algum grau, os professores são responsáveis pelas notas dos alunos, mas não totalmente. Sabe-se que cerca 70% do desempenho acadêmico de um aluno é influenciado pelo nível socioeconômico e escolaridade da família, por exemplo”, explica Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP.

Outro elemento é que, valendo-se das avaliações em larga escala, não há segurança estatística para dizer que um professor merece bônus e outro não. Alavarse explica que, além de essas provas não medirem tudo o que os professores trabalham em sala de aula, elas mensuram conhecimentos acumulados, ou seja, um resultado feito por professores de anos anteriores também.

O professor aponta ainda que nas escolas públicas é bastante comum a rotação de alunos de uma unidade para outra. Logo, quando um ano letivo chega ao fim, é possível que boa parte dos alunos que ali estão na sala não estivessem no começo. “Em um mesmo resultado, então, você pode ter não apenas o acúmulo do trabalho de vários anos, como também o de outros professores”.

Escola Foto: Pedro Ribas/ ANPr

Para Cara, o pagamento de bônus é um equívoco, pois a experiência já se mostrou um fracasso nos países que a adotaram, por exemplo, nos Estados Unidos. “As avaliações em larga escala não têm precisão estatística para atrelar uma coisa a outra. E o resultado disso em termos pedagógicos é nulo”.

A bonificação mostra-se também como uma prática de “pseudovalorização” da carreira: oferece pequenas melhoras no pagamento de poucos por meio de prêmios, mas mantém a maioria com os baixos salários. “O que vem acontecendo no Brasil nas redes que adotam estratégias de remuneração por resultado é que as redes baixam os critérios avaliativos para que todos consigam o bônus. Então hoje, na verdade, o bônus é uma desculpa, pois são gratificações que não se incorporam à remuneração integral do trabalhador porque isso resultaria obrigatoriamente em destinar uma parte para a contabilidade previdenciária. Para evitar pagar melhores aposentadorias, usa-se a remuneração por bônus”, explica Cara.

Outra proposta anunciada é a reforma completa do Ensino Médio com uma restruturação curricular que permita ao aluno já se dedicar nessa fase ao ensino profissionalizante. Segundo o documento, a atual estruturação do currículo pressupõe exclusivamente uma preparação para o Ensino Superior e que, ao término da etapa, o aluno não se vê habilitado para muita coisa além de passar nos vestibulares. O plano acrescenta que esse foco é equivocado já que a maioria dos alunos encerra aí sua formação escolar.

“O Ensino Médio serve para concluir a Educação Básica, essa é a finalidade. Tem de acabar com essa história de que o Ensino Médio não serve para nada. Se houver uma opção precoce pelo ensino profissionalizante, adivinha qual será a camada social que a fará?”, diz Ocimar. “Não estou dizendo que com isso não devemos repensar seu currículo. Mas não existe solução pedagógica para problemas sociais”, acrescenta.

Na opinião de Cara, a reforma curricular no Ensino Médio é sim necessária, mas é preciso ver qual referência a reestruturação vai assumir. “Não pode ser uma reforma para dizer que algumas pessoas não têm condição de fazer Ensino Superior. Isso deve ser uma escolha do aluno, ir ou não para a universidade”.

Outro ponto que chama atenção do documento é o fato de o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 por unanimidade pela Câmara dos Deputados, não ser citado em nenhum momento pelo A Travessia Social. O plano reúne as 20 metas que deverão direcionar as políticas públicas em Educação no próximo decênio.

Entre elas, estão a erradicação do analfabetismo, o incentivo à formação de professores, a ampliação na oferta de Educação Integral e Infantil, além do aumento gradativo da destinação de 5,3% para 10% do PIB no ensino público. “No Travessia, se ignora totalmente o que foi aprovado no Congresso Nacional, aliás, por um partido que naquele momento tinha a presidência da Câmara e do Senado”, aponta Rezende.

Nenhuma referência também é feita ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), criado em 2007 para promover o financiamento da Educação Básica pública. No sistema educacional brasileiro atual, o governo federal faz um investimento ínfimo. Com o fundo, o quadro tornou-se um pouco mais equilibrado. Os estados e municípios alimentam o fundo com 20% da receita proveniente de impostos e transferências, e a União aplica 10% do total dos recursos, o equivalente a 0,2% do PIB. Mas o valor ainda não é suficiente.

“Se esse repasse fosse maior, seria possível viabilizar o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), valor mínimo previsto por legislação que deve ser investido por aluno para uma educação de qualidade, que deveria entrar em vigor em junho deste ano”, questiona Rezende.

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