Educação

Aprender 
com o corpo

Práticas de expressão corporal, como a ioga, 
ganham espaço 
na educação infantil

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Alunos e professores da CEI Lar de Crianças Ananda Marga durante a aula de yoga|Crianças praticam ioga uma vez por semana no CEI Ananda Marga Yoga
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“Namaskar. Eu te saúdo com a pureza de minha mente e o amor do meu coração”, entoa uma roda de crianças, com idades próximas aos 4 anos. Está começando mais uma aula de ioga no CEI Lar de Crianças Ananda Marga, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo.

As aulas acontecem uma vez por semana e são precedidas por histórias que visam envolver os alunos na prática ancestral indiana: os movimentos e posturas ensaiados pelos pequenos imitam flores, árvores, animais e outros personagens apresentados nas narrativas.

“Tudo é feito de maneira lúdica, eles brincam e aprendem ao mesmo tempo. As crianças adoram, mas não é obrigatório, quem não estiver a fim não precisa fazer”, afirma a diretora, Silvia Helena Lázaro.

Além da ioga, os alunos da instituição praticam a shantala, massagem para bebês originária da Índia. Ao som de um mantra e com as cortinas da sala semicerradas, as crianças com até 2 anos deitam-se nos tatames espalhados pelo chão para receber a técnica corporal.

“A massagem propicia esse contato mais íntimo de relaxamento e aconchego. É importante para criar um vínculo”, explica a educadora Regina Rato, enquanto massageia com delicadeza um dos bebês.

Conveniado à prefeitura de São Paulo, o espaço atende perto de 115 crianças e é administrado pela Associação Beneficente de Amurt Amurtel, que, além da unidade, mantém outras três creches e um centro de crianças e adolescentes.

Todos os núcleos são norteados pelo mesmo princípio: uma educação humanista, voltada para a integração entre o físico e o cognitivo.

“Priorizamos a harmonia não apenas entre as crianças, educadores e funcionários, mas também entre a mente e o corpo. Para nós, esse é o alicerce para o desenvolvimento de pessoas íntegras, para que pensem e ajam com coerência”, diz a coordenadora da ONG, a filipina Didi Jaya.

No Espaço Cultural Casa Labirinto, em Curitiba, a aula de ioga infantil vale-se da mediação de labirintos lúdicos para criar atividades envolvendo posturas e respirações, técnicas de relaxamento e concentração.

“Chamamos de LabYoga e a ideia é trazer posturas da ioga para o ambiente do labirinto, dos jogos, da memória. Isso proporciona um momento de reflexão, de meditação para as crianças”, explica Cláudio Ganesh, professor responsável pelas aulas.

O especialista explica que os labirintos unicursais, nos quais um único caminho leva ao centro, são arquétipos que podem projetar diversas intenções quando estas são colocadas em seus centros, conduzindo a ação do aluno. “No nível físico, a atividade fortalece as articulações por meio da execução das posturas.

No mental, estimula a concentração, o foco. Mas é, acima de tudo, uma brincadeira”, explica. Além da modalidade, a casa oferece cursos de baby ioga, shantala, dança, musicalização e teatro para crianças.

Para a pedagoga Sandra Bortholoto, autora de O Yoga na Escola, inserir as práticas de expressão corporal na vida escolar ajuda a estabelecer uma conexão corpo-mente mais intensa, proporcionando uma educação integral do indivíduo.

“A criança é estimulada a observar e lidar com as emoções, apresentar bom desempenho funcional, situar objetos e a si mesma no tempo e no espaço, identificar sua lateralidade e ter habilidade de lidar com o próprio corpo.”

Defensora da psicomotricidade, ciência que estuda o homem por meio de seu corpo em movimento tanto no aspecto funcional quanto afetivo, Sandra acredita que a ioga e outras práticas ligadas ao corpo são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades necessárias às aprendizagens escolares e, de modo geral, à educação, quando esta é compreendida em seu sentido mais amplo, ou seja, não apenas como instrução.

“Na visão holística, o homem também é visto como um todo de partes interdependentes, não apenas como o somatório das partes. Se quisermos, portanto, desenvolvê-lo integralmente, há de ser pela educação corpo-mente”, defende.

Na Escola Jacarandá, em São Paulo, o trabalho corporal faz parte do cotidiano dos alunos desde o berçário, por meio de brincadeiras e atividades de movimento. “Acreditamos que não dá para separar o desenvolvimento do corpo, o crescimento físico, das outras constituições da criança. Elas conhecem o mundo através do movimento, da sensação, do tato”, explica Vitória Regis Gabay de Sá, coordenadora pedagógica.

A escola conta com o apoio de uma assessoria voltada à educação corporal que orienta os professores na escolha do repertório de brincadeiras e atividades e apresenta conhecimentos sobre massagem e como tocar, manipular e fazer manobras que incentivem uma boa postura corporal dos alunos.

No caso das crianças pequenas, são planejadas brincadeiras e situações para que possam explorar livremente o próprio corpo, que vão desde ficar no chão, rolar de um lado para o outro ou oferecer brinquedos a uma distância que incentive a movimentação para pegar.

“Também há os circuitos, que envolvem subir e descer, passar por túneis, que desenvolvemos como uma brincadeira simbólica, como um faz de conta. Às vezes, é um circuito que simula uma floresta ou então uma piscina”, conta Vitória.

Já as crianças a partir dos 3 anos desenvolvem um trabalho semanal com um professor especialista em educação corporal. A proposta da aula é de que a criança tenha uma experiência motora rica e explore materiais variados, como a bola, a corda, o bambolê e os obstáculos.

“Tentamos também fazer uma leitura corporal das crianças. Uma criança bem organizada corporalmente, em geral, está mais equilibrada. Pelo caminho do corpo conseguem-se resultados para além do corpo”, diz Vitória.

Marcos Garcia Neira, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar, reitera a importância das práticas corporais presentes na tradição das mais diversas culturas.

“Há estudos que vão indicar que crianças que possuem a experiência da shantala com as mães, por exemplo, avançam na bipedia (domínio para andar de pé) e no domínio de seus sistemas corporais, entre outros aspectos. Mas estamos falando de certo contexto, precisaríamos ver com cuidado como isso está sendo feito aqui, como é reproduzido”, alerta.

Para Neira, é necessário cuidado ao transpor práticas de outras culturas para um contexto institucional, como é o caso da Educação Infantil. “Por exemplo, a educadora tem um papel bem diferente do da mãe e a escola daquele desempenhado em casa.

Agora, se as crianças estão conhecendo, tendo experiência com uma prática cultural diferente, isto é ótimo”, diz. Para ele, um erro comum é levar essas práticas para a escola, a fim de alcançar determinados objetivos, sejam eles educacionais ou comportamentais.

“Precisamos ter um olhar para o aspecto cultural das expressões corporais e não usá-las com essa intenção funcionalista, ou seja, vamos fazer isso para gerar aquilo”, diz.

Para a educadora Sandra, o reconhecimento e a preocupação com o aprendizado corporal vêm crescendo entre as escolas de Educação Infantil, mas ainda encontram barreiras a partir do Ensino Fundamental quando o intelectual desvinculado das outras necessidades humanas torna-se mais evidente, devido à herança do velho modelo do primado da razão.

“De modo geral, as escolas ainda estão no paradigma do “penso, logo existo”, ou seja, do corpo apenas como suporte para a mente. E a maioria dos pais, também. Anseiam que seus filhos logo comecem a ler e escrever sem entender que tais aprendizagens exigem, antes disso, habilidades psicomotoras específicas, tais como a preensão correta do lápis”, explica.

Neira também defende uma maior valorização das expressões e práticas ligadas ao corpo, além do fim da dicotomia cognitivo-físico.

“Desde que acabou a Idade Média, fazemos essa separação entre corpo e mente, muito embora essas coisas sejam indissociáveis.” Para o professor, vivemos em uma sociedade em que as pessoas que possuem habilidades mais elaboradas do ponto de vista cognitivo são mais valorizadas do que aquelas que se expressam corporalmente.

“Isso precisa ser colocado em questão. A escola precisa criar situações para que as crianças aprimorem suas diversas formas de expressão, sejam elas corporais, orais, artísticas ou gestuais. Os currículos precisam buscar um equilíbrio entre essas experiências”, defende.

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