Educação

Os símbolos nacionais na escola

Obrigatório desde 2011, o estudo dessas representações deve 
ser crítico e contextualizado

Ensino de símbolos nacionais deve ser problematizado
Bandeira hasteada em Brasília (DF): cores são herança do período pré republicano bandeira hino nacional cores símbolos nação currículo
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Durante a Copa do Mundo de 2014, os acordes do Hino Nacional emocionaram milhões de brasileiros antes do início das partidas. Em setembro, mês da Pátria, ele deve reaparecer em outro contexto e causar muito menos entusiasmo. Entre as duas situações está a diferença entre o símbolo nacional que unifica a população e aquele que remete ao governo ou a uma imagem construída, nem sempre capaz de inspirar orgulho. O debate sobre as duas representações é uma das formas de incluir o estudo dos símbolos nacionais na escola de maneira crítica e sem criar nos alunos o sentimento de submissão com relação aos elementos.

Desde 2011, a Lei nº 12.472 determina o estudo transversal dos símbolos nacionais no Ensino Fundamental. Além do Hino, são considerados símbolos a Bandeira, o Brasão e o Selo. A emenda à Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estava proposta desde 1999, mas só foi aprovada na Câmara e depois sancionada há três anos.

Para o historiador Jaime Pinsky, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a ditadura militar (1964-1985) tornou as gerações seguintes reticentes ao uso de ícones oficiais. “Há uma diferença entre os símbolos nacionais do Estado e do governo, mas a população associou. As pessoas, conscientemente ou não, se afastaram à medida que ficaram insatisfeitas com o regime”, diz. A última Copa teria sido para ele uma das oportunidades de reencontro. “Ao cantar, as pessoas fizeram a conexão correta com o que as une e se apropriaram do símbolo.”

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A Ditadura e o Estado de exceção 
permanente

Luis Fernando Cerri, professor de Práticas de Ensino do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, defende o conhecimento dos símbolos e seus usos. “Quando o legislador estabelece como obrigatório é porque constitui o mínimo fundamental para o cidadão, para que ele entenda suas raízes”, afirma, comparando com a lei que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana nas escolas em 2003 para contrapor-se à versão brasileira dominante que coloca as contribuições dos negros como secundárias.

Em relação à política, ele lembra que o nacionalismo pode ser usado em diferentes posições. “Vai ter sempre mais de uma cara. Na ditadura tivemos uma versão autoritária. É essencial o conhecimento, não vejo prejuízo ou cor ideológica em apenas ensinar, a questão é de que forma”, conclui.

Currículo oculto
Para Cerri, este é um conteúdo em que os professores devem ter consciência de que ensinarão não apenas pelas informações dadas, mas pela forma como o tratam. Se a atividade apenas submete a turma aos símbolos, é possível que os alunos desenvolvam submissão ou até rejeição aos elementos. Por outro lado, se a aula é contextualizada e convida os alunos à crítica, é possível levar à participação e à reflexão. “Sempre tem um caráter pedagógico no currículo oculto que pode empurrar para a indiferença, a aversão ou o entusiasmo. Sabendo disso, o educador tem de pensar no formato e não apenas no conteúdo.”

Professor  do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (Ufse), Fernando Sá acredita que a força da lei joga contra o ensino adequado. Para ele, a imposição empurra o professor para práticas fixas que remetem a uma continuidade do passado. “É algo que não se adapta ao atual momento histórico, pois hoje há uma problematização da própria construção desses ícones como campo de luta cultural, política e ideológica”, diz.

Ele lembra que, embora Bandeira, Brasão e Selo tenham sido atualizados após a Proclamação da República (1889), muitos elementos do Império foram mantidos, já que os proclamadores estavam restritos às parcelas educadas e urbanas da população e precisavam de algo já reconhecido massivamente. O Hino, por exemplo, chegou a ser mudado, mas não houve aceitação e a letra de 1831 foi retomada. “Os republicanos foram obrigados a se voltar para as tradições culturais mais profundas do povo brasileiro, às vezes alheias à sua imagem, para a popularização de seus símbolos”, explica.

Com isso, as representações não cumprem o papel de espelhar as bases atuais do País. As cores verde e amarela, por exemplo, simbolizam as riquezas naturais da mata e minerais, portanto, remetem principalmente ao período colonial e de exploração que enriqueceu aos donos das terras. O Selo, usado em diplomas, reproduz o círculo azul que remete à Proclamação com os dizeres “República Federativa do Brasil” ao redor. Já o Brasão, um escudo apoiado sobre uma estrela de cinco pontas, com uma espada em riste, tem ao seu redor dois ramos das maiores riquezas da época: café e fumo.

Apontar os detalhes e a história por trás de cada um deles é uma forma de cumprir a legislação e formar cidadãos críticos. “Os professores de história podem contribuir desfazendo a mitologia verde-amarela, construída como parte importante da ideologia dominante no Brasil”, conclui Sá.

Ligia Wild, diretora da rede estadual de São Paulo e graduada em Estudos Sociais e Pedagogia, lista outras possibilidades de atuação. A letra do Hino pode ser usada para comparar a Língua Portuguesa atual e a da época. Uma pesquisa sobre onde cada símbolo aparece pode levar a visitas guiadas ou discussões sobre órgãos públicos e os selos podem ser pretexto para uma aula sobre como a comunicação oficial se deu no passado. Para o historiador Pinsky, uma atualização cairia bem após mais de 120 anos. Ele cita casos como o hino alemão, que subtraiu versos como “Alemanha acima de tudo no mundo” depois do Holocausto, e o russo, que acrescentou o trecho “Glória à nossa pátria livre” e reaproveitou a música popularizada dos tempos de Lenin. “Nada é imutável. A qualquer momento pode haver algo novo que mude tudo isso”, diz. Um aluno que aprende sobre os símbolos neste setembro nas escolas pode estar entre os que terão tal papel histórico.

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