Educação
Volta ao mundo pelas escolas
André Gravatá fala sobre os espaços de aprendizagem que conheceu na viagem que inspirou livro ‘Volta ao Mundo em 13 Escolas’
Há alguns anos, André Gravatá, 23, Camila Piza, 32, Carla Mayumi, 43, e Eduardo Shimahara, 41, formavam o Coletivo Educ-ação. De idades e formações diferentes, os quatro partilhavam um sonho: descobrir, ao redor mundo, iniciativas inovadoras e espaços de aprendizagem em sintonia com os desafios do século XXI.
Movidos pela inquietação, eles embarcaram em uma viagem que ampliaria suas concepções e experiências a respeito de educação. No itinerário, escolas, comunidades de aprendizagem, cursos formais e não formais dos quatro cantos do mundo – Brasil, Argentina, Estados Unidos, Espanha, Suécia, Inglaterra, África do Sul, Índia e Indonésia.
Assim nascia o livro Volta ao Mundo em 13 Escolas – Sinais do futuro no presente, disponível para download gratuito no site da organização e impresso com o apoio da Fundação Telefônica Vivo. Por telefone, o escritor e jornalista André Gravatá conversou com Carta Fundamental sobre as principais lições e surpresas despertadas pela jornada.
Carta Fundamental: Como surgiu o projeto do livro Volta ao Mundo em 13 Escolas – Sinais do futuro no presente?
André Gravatá: O Eduardo Shimahara, o Shima, reuniu em uma tarde 15 amigos com a proposta de compartilhar seus sonhos. Um deles era fazer um livro sobre iniciativas inspiradoras em Educação. Nesse encontro, estávamos eu, a Carla e a Camila, que acabamos formando com o Shima o coletivo Educ-ação e começamos a vivenciar essa ideia de criar o livro. Passamos o primeiro semestre de 2012 pensando quais seriam as escolas que a gente visitaria. Inicialmente, definimos 12 espaços de aprendizagem, mas, posteriormente, incluímos mais uma escola brasileira. A ideia era conversar com os alunos, educadores, pais, ex-alunos e fundadores para ter uma visão em 360 graus das iniciativas, saber a partir de diferentes perspectivas o que se passava nesses ambientes.
CF: Como foi feita a seleção das experiências que integrariam o livro?
AG: Entramos em contato com diversos educadores para buscar referências e, a partir delas, fizemos uma lista. Com a lista em mãos, passamos a discutir as escolas, nome por nome, que entrariam no livro. Para isso, usamos o critério da diversidade, pois a ideia do projeto era mostrar experiências de aprendizagem que estavam trazendo para discussão diferentes temas, como empreendedorismo, sustentabilidade, artes, relação com a comunidade e tecnologias. Queríamos mostrar diversos formatos, a pluralidade possível.
CF: E as viagens, como foram feitas?
AG: Vale ressaltar que o projeto, desde o início, teve um caráter coletivo, inclusive seu financiamento. Iniciamos uma campanha na internet para arrecadar dinheiro e 566 pessoas contribuíam. Foi com a quantia arrecadada, cerca de 56 mil reais, que fizemos as viagens, que -foram -divididas -entre os -membros do coletivo. Eu fui para a Europa, o Shima para a Indonésia e África do Sul, a Camila para os Estados Unidos, e a Carla para a Índia. E isso foi muito bom porque proporcionou múltiplos olhares sobre as escolas. Eu tinha esse olhar inquieto do jovem, o Shima de pai, a Carla de mãe e a Camila de psicóloga.
CF: Quais foram as surpresas dessa volta ao mundo?
AG: Foi perceber que a diversidade quando valorizada possibilita a transformação. Esses espaços não são perfeitos, têm muitas coisas para melhorar, arestas a serem aparadas. Mas, ao mesmo tempo, eles possuem um caráter inovador, isso porque incentivam os conflitos quando eles vêm à tona, pois os enxergam como dispositivos para a mudança. São espaços que entendem a escola como um organismo vivo, que muda o tempo todo. Outro ponto importante é que nós não visitamos apenas escolas de Ensino Fundamental e Médio, mas também instituições de Ensino Superior, ONGs e até uma não -escola nos Estados Unidos, a North Star, que reúne alunos desistentes do ensino formal e à procura de um lugar fértil para aprenderem sobre a vida.
CF: No lançamento do livro, você frisou que a obra, longe de querer propor modelos para escolas, queria estimular horizontes, possibilidades para a educação. Mas de uma maneira geral, o que essas 13 escolas possuem em comum? Que caminhos elas apontam?
AG: Essas escolas têm vários pontos em comum, um deles é a questão da autonomia. Elas instigam nos alunos a participação ativa, dão a possibilidade de escolha. Na Politeia, em São Paulo, os alunos desenvolvem pesquisas individuais a partir de temas que eles escolhem e se interessam. Já na Quest to Learn, em Nova York, encontramos jovens aprendendo por meio de jogos, nos quais eles não precisam obedecer as regras: eles são estimulados e convidados a reinventar os jogos. No YIP, na Suécia, um curso de dez meses para jovens, eles são constantemente motivados a identificar suas paixões, seus sonhos. Outro ponto comum é o de tornar a escola um local de encontros.
Na Riverside School, na Índia, há a preocupação de os alunos se relacionarem com a comunidade. Quando a visitamos, eles estavam desenvolvendo um trabalho sobre o cacau, e para isso fizeram chocolates para vender em um bazar. O dinheiro arrecadado com a venda foi doado para organizações que investiam na comunidade local. O que essas iniciativas mostram é que a aprendizagem acontece o tempo todo, principalmente quando a aluno sai da sala de aula e vai se conectar com o mundo à sua volta.
CF: Quatro das 13 escolas que compõem o livro são brasileiras. O que o Brasil tem a ensinar para o mundo?
AG: As iniciativas brasileiras estão no livro para provar que também existe no -País espaços e pessoas preocupados em repensar a Educação, a reinventar-se. Algumas dessas iniciativas estão ligadas ao resgaste da cultura como é o caso, por exemplo, do CPCD, em Minas Gerias, do educador Tião Rocha. Lá, está muito presente esse diálogo com a comunidade, a valorização da cultura local. Eles promovem a reinvenção da roda, ou seja, todos sentam em uma grande roda para discutir projetos, grandes ou pequenos. Na Amorim Lima, em São Paulo, fica claro a importância da -autonomia pedagógica. A escola quebrou paredes para convidar a comunidade à participação.
CF: Você diz que o livro é uma jornada para aqueles que querem abandonar a zona de conforto e imprimir o novo na própria realidade. Como as escolas, professores e educadores podem inovar no seu dia a dia?
AG: O educador deve olhar para sua -realidade e a partir dela tentar enxergar quais são as limitações e as potencialidades. Nesse processo, é essencial o diálogo com os estudantes. Qual é a escola com a qual eles sonham? O que eles esperam da escola? Quais são os espaços e atividades que eles podem criar juntos para colocar isso em prática? Outro ponto importante é a troca entre as pessoas que estão convivendo no espaço da escola ou ao redor dela. O Tião Rocha, do CPCD, sai batendo de porta em porta para perguntar aos moradores da comunidade quais são suas sugestões e críticas. É assim que acontece a inovação, a partir de um diálogo constante. As mudanças não devem vir de cima para baixo, mas de baixo para cima.
CF: Quais foram os aprendizados, as reflexões trazidas pela viagem? Como essa trajetória ampliou suas concepções sobre educação?
AG: Como sempre estudei em escola pública, eu vi de perto essa complexidade que é ter de um lado educadores desmotivados e de outro, professores querendo fazer a diferença, propondo transformações em meio a uma aridez completa. Visitar essas escolas ao redor do mundo só reforçou a minha convicção de que é essencial ter paixão, fazer aquilo que se gosta, pois só assim nasce o esforço, a vontade de dar o melhor de nós mesmos. E nos espaços de aprendizagem visitados isso ficou muito claro, cruzei com diversos “olhos brilhando”.
CF: Quais são os próximos projetos do Coletivo Educ-ação?
AG: Queremos transformar o conteúdo do livro em outros formatos. Um dos nossos sonhos é fazer um jogo de cartas baseado na experiência. Outra proposta que temos é potencializar encontros entre esses educadores de diferentes partes do mundo que, de alguma forma, fizeram parte do livro. Por que não levar a Dona Eda Luiz, diretora do Cieja Campo Limpo, em São Paulo, para uma dessas escolas lá fora para contar suas experiências e também conhecer novas práticas e vice-versa?
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