Educação

“Sofri para encontrar reconhecimento, mas estava determinado a desenhar”

Todd Parr conta por que quase desistiu de desenhar e como respeitar o ritmo 
de aprendizagem pode mudar a vida 
de uma criança

Todd Parr
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Traços simples, quase infantis, cores vibrantes, frases curtas e diretas. Difícil imaginar que o estilo que consagrou mundialmente o trabalho do escritor e ilustrador americano Todd Parr foi um problema na escola. O menino que já apresentava dificuldades em ler e escrever foi aconselhado por um professor a desistir da área artística por não levar lá muito jeito. E foi isso que ele fez: durante 15 anos trabalhou como comissário numa companhia de aviação. Durante esse tempo, entretanto, continuou desenhando e, aos poucos, foi conquistando admiradores pela simplicidade com que conseguia tratar temas complexos como o amor, o medo e a tolerância.

Imagem recorrente em seus livros é uma criança usando uma cueca na cabeça. Segundo ele, uma forma de trazer alegria e descontração até para os assuntos mais dramáticos, equilibrando a narrativa. Autor de 38 livros infantis, 18 deles publicados no Brasil pela Panda Books, Parr atingiu recentemente a marca de 220 mil exemplares vendidos. Em visita a São Paulo, o autor conversou com Carta Educação sobre sua trajetória e as relações que podem ser estabelecidas entre sua obra e a escola.

Carta Educação: Em sua opinião, qual o papel do educador em incentivar e respeitar as aspirações das crianças?
Todd Parr: Sofri diversas dificuldades enquanto estive na escola, pois nem de longe eu era o estudante perfeito. Tinha dificuldades para ler e escrever, mas adorava desenhar. O engraçado é que meu estilo na época já era bem parecido com o que faço hoje. Mas meu professor de Artes achava que eu precisava aprimorar minha técnica e eu não estava interessado nisso. Seu conselho, então, foi que eu desistisse. Olhando para trás, acho que ele poderia ter apontado as habilidades que eu apresentava. Poderia ter dito: “Todd, sua técnica precisa ser aprimorada, mas você sabe como usar as cores ou trabalhar as formas”. Enfim, algo positivo. Se o professor vê uma faísca quando a criança desempenha certa atividade, então deve encorajá-la a seguir em frente, mesmo que ela não seja a melhor naquilo. Se aquele professor tivesse depositado esperança e confiança no meu trabalho, quem sabe o que eu poderia ter feito? Os educadores também precisam respeitar o ritmo de aprendizagem de cada criança.

CE: O senhor, inclusive, sofreu bullying após ser transferido para uma classe especial por não acompanhar o ritmo dos outros colegas. Como isso o afetou? As escolas estão preparadas para lidar com as diferenças entre os alunos?
TP: Esse fato abalou profundamente minha confiança. Durante muito tempo, tive medo de me colocar em situações, correr riscos, fazer perguntas, pois achava que os outros iriam rir de mim. Já adulto percebi que poderia usar essa experiência para ajudar as crianças a se sentirem bem com elas mesmas. É isso que tento fazer com meus livros. Acho essencial que os pais e professores ensinem as crianças que elas não precisam ser perfeitas, as melhores em tudo. Elas vão fracassar em diversos momentos da vida e tudo bem, pois vão aprender com esses erros. Existe muita pressão para enquadrar os alunos em padrões universais de desempenho, mas as crianças são diferentes entre si, aprendem de maneiras e em ritmos distintos. Hoje, acho que as escolas estão mais cientes desta diversidade. Quando eu estava no colégio, não havia sequer o termo bullying ou diagnósticos como TDAH e dislexia – e eu acho que tinha tudo isso. Identificando essas especificidades, as escolas tornam-se mais preparadas para encaminhar e lidar com os casos.

CE: Como é o processo de criação de seus livros? Por que eles fazem tanto sucesso entre as crianças?
TP: Tudo começa com uma ideia bastante simples, tema sobre o qual dedicarei o livro. Se você reparar, todas as minhas obras possuem títulos como O Livro da Família, O Livro do Planeta Terra ou O Livro da Mamãe. Com a ideia central definida, começo a escrever frases relacionadas ao tema e a fazer as ilustrações. Depois disso, o processo é basicamente ir refinando cada vez mais o trabalho. Acho que essa simplicidade dos meus livros é o segredo do sucesso com o público infantil. Pego um tema complexo como o amor e tento deixá-lo o mais simples possível. Outro elemento que ajuda na empatia é o fato de os meus desenhos se parecerem com desenhos de criança, então há uma identificação de imediato. Acho que a fórmula é esta: trabalho de arte, cores vibrantes, palavras simples, imprevisibilidade e bom humor.

CE: Como você desenvolveu seu estilo? No começo, ficou preocupado que as pessoas não fossem entender sua arte?
TP: Elas não entenderam (risos). Durante anos, sofri para encontrar reconhecimento, mas estava determinado a desenhar. Mesmo depois, com meus livros já publicados, as pessoas continuavam me questionando “onde estão os coelhinhos, os ursos e as cores pastel?” Foi complicado porque não havia livros como os meus no mercado. Meus primeiros livros eram colocados nas livrarias na seção de autoajuda e não de livros infantis, de ilustração. Acho que o que as pessoas pensavam internamente sobre meu trabalho era “como você ousa ser tão estranho e diferente?” Não era um caminho seguro. O irônico é que hoje as pessoas gostam do meu trabalho justamente porque ele é diferente do resto, porque tem esse estilo distinto.

CE: Como o senhor sugere que os educadores utilizem seus livros nas escolas?
TP: Trago temas nos meus livros tendo em mente que os professores e pais possam usá-los como trampolins para outros assuntos. Por exemplo, em Tudo Bem Ser Diferente, uma das páginas traz a frase “tudo bem ter rodas” com a ilustração de uma criança cadeirante. A ideia é que pais e professores possam trabalhar esta questão da inclusão. Se existe na classe um aluno com necessidades especiais, o professor pode usar o livro para mostrar aos colegas como aquela situação está relacionada ao cotidiano deles.

CE: O senhor é também criador do programa de tevê O Mundo de Todd, baseado em seus livros e que ficou no ar entre 2005 e 2008. Como foi a experiência de trabalhar nesta mídia?
TP: É muito mais difícil, desafiante do que trabalhar com livros. Na tevê, as histórias precisavam ter em torno de 11 minutos e meus livros são geralmente muito curtos, rápidos. Era difícil preencher esse tempo. Além disso, as séries de tevê têm personagens centrais e meus livros não. Então precisei criar o Todd, uma voz central no show que transmite a mensagem central do livro. Atualmente, estou trabalhando em um novo programa para a tevê e adoro a ideia de criar algo inédito e divertido. Mas a verdade é que o processo todo é bem complicado. É difícil arrecadar a verba, escalar a equipe, são tantas dinâmicas que precisam ser colocadas juntas que levo de três a cinco anos para colocar um show no ar. E isso feito você ainda tem de torcer para o programa fazer sucesso. E se não fizer, é isso. Gosto mais dos livros porque eles acontecem de maneira rápida.

CE: O brasileiro Roger Mello ganhou a última edição do Prêmio Andersen em ilustração. Você está familiarizado com o cenário de ilustração de livros infantojuvenis do Brasil?
TP: Não muito, mas estou tendo a oportunidade de conhecer diversos artistas brasileiros durante minha estadia e tenho visto trabalhos incríveis. Estou aprendendo e quero aprender cada vez mais. A verdade é que vejo minha arte como uma espécie de “rebelde” dentro do cenário de ilustração. A maioria dos ilustradores tem trabalhos maravilhosos e eu olho para meus desenhos e fico imaginando se eles pensam que até um bebê poderia fazer aquilo. Não acho que meus livros possam competir por prêmios nesta categoria. E tudo bem, não escrevo livros para ganhar prêmios. Já ganhei alguns e adorei, mas não é isso que me move. Eu sei que não sou esse tipo de artista, provavelmente o tipo de artista que meu professor de Artes gostaria que eu tivesse sido. Respeito o trabalho deles, mas estou feliz em fazer o que eu faço.

CE: Quais são seus projetos para o futuro? Há previsão de lançamento de novos livros?
TP: Acabo de concluir um livro para 2015 que se chamará O Livro do Adeus. Um tema que eu queria abordar faz muito tempo era a morte. Tinha esse projeto na minha cabeça há pelo menos dez anos. Todos nós lidamos com perdas ao longo da nossa vida, nossos animais de estimação, nossos avós, pais e outros membros familiares. Para as crianças, pode ser difícil lidar ou entender  isso. A ideia é que o livro possa ajudar pais e educadores a falar sobre essas perdas. Explicar como devemos, apesar da dor, seguir em frente. Acho que é um dos livros mais poderosos que eu já fiz.

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