Educação

O efeito Blackfish

Documentário expõe o tratamento cruel às orcas em parques e mobiliza discussões sobre o uso de animais para entretenimento

Seaworld
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Em julho de 2013, quando estreou nos cinemas norte-americanos, Blackfish – Fúria animal fez o SeaWorld desencadear uma guerra de relações públicas.

A partir daí, o documentário dirigido por Gabriela Cowperthwaite tem provocado uma polêmica atrás da outra por ter abordado o tratamento cruel das orcas pelo parque de atrações marinhas.

Desde o lançamento do filme, a visitação caiu drasticamente nos 11 parques da rede nos Estados Unidos. Em novembro de 2015, a unidade de San Diego, na Califórnia, anunciou o encerramento dos shows com orcas.

Outra polêmica envolve Lara Padgett, fiscal do governo federal responsável pela investigação das práticas do SeaWorld. Representantes do parque questionaram a integridade profissional de Padgett após ela ter exaltado o filme no Facebook e participado do lançamento de Blackfish no Sundance Film Festival de 2013.

O SeaWorld acusa a funcionária do Departamento do Trabalho de manter relações estreitas com grupos de defesa dos direitos dos animais. Mas o motivo principal do contra-ataque vincula-se à morte da treinadora Dawn Brancheau em 2010, durante uma performance na sede do parque em Orlando, na Flórida.

Padgett investigou se o SeaWorld violou normas de segurança. Ela indagou se Tilikum, a orca macho, arrastou Brancheau para o fundo do tanque e a matou, porque décadas de cativeiro o teriam tornado agressivo.

Tilikum foi capturado na costa da Islândia em 1983. No decorrer de quase 30 anos, passou por privação alimentícia, recebeu o ataque de outras orcas cativas e esteve envolvido na morte de duas pessoas, além da de Brancheau.

Tilikum tornou-se valioso para o parque por ser um macho reprodutor: o seu sêmen ajudou a gerar pelo menos 25 filhotes.

Conhecidas no imaginário popular como baleias-assassinas, as orcas nunca causaram a morte de um ser humano enquanto estavam no seu hábitat natural. O apelido é incorreto.

Cetáceos de dorso preto e abdome branco, cujo comprimento pode ser de até 10 metros, as orcas pertencem à família dos golfinhos. A reputação de perigosas vem de longa data e serviu de inspiração para Hollywood.

Em Orca, A Baleia Assassina (1977), o cetáceo persegue Nolan, o capitão de uma embarcação pesqueira que matou a sua fêmea prenhe. Além de agressivo, o mamífero é apresentado como ardiloso e vingativo no filme de Michael Anderson.

Segundo o SeaWorld, Padgett teria vazado detalhes da investigação sobre a morte de Brancheau para a diretora de Blackfish. Embora não apresente provas, o parque pede ao Departamento do Trabalho que apure o que considera a atuação irregular da fiscal.

O trabalho de Padgett influenciou uma decisão judicial que proibiu desde maio de 2012 o contato dos treinadores com os mamíferos marinhos durante as performances. Em entrevista ao The New York Times, Cowperthwaite negou que Padgett tenha lhe passado documentos confidenciais. A diretora não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.

Disponível no Netflix Brasil, em DVD e Blu-Ray, Blackfish estabelece o caso fatal da treinadora como o seu ponto de partida para entrevistar ex-treinadores e pesquisadores.

O documentário apresenta os cetáceos como bichos gregários e complexos, capazes de sentir até emoções.

Em um comunicado oficial publicado no website da CNN, canal a cabo que comprou o filme em Sundance e o exibiu nacionalmente em outubro de 2013, Cowperthwaite definiu o seu longa-metragem como “uma história sobre um incidente no SeaWorld”.

Ela rejeita a acusação de ser “uma defensora extremista dos direitos dos animais” e revelou ter levado as filhas ao parque antes de iniciar as filmagens.

Blackfish é o primeiro documentário de Cowperthwaite, filha de uma brasileira e um norte-americano, lançado no circuito comercial, com um orçamento de 75 mil dólares.

O longa-metragem representa sua reação ao incômodo causado por uma história mal contada, “algo sobre como isso (a morte de um funcionário no trabalho) quase nunca ocorre, porque nos parques os animais são felizes e os treinadores, seguros”, escreveu Cowperthwaite.

Durante os dois anos necessários para concluir o filme, ela admitiu ter sentido medo de ser massacrada por uma corporação avaliada em 2,5 bilhões de dólares e comprada em 2009 pelo banco de investimentos The Blackstone Group.

Embora os representantes do SeaWorld tenham mantido contatos frequentes com a diretora, eles preferiram não se pronunciar em Blackfish. Ainda assim, reclamam da falta de complexidade e equilíbrio do documentário, o qual teria suprimido o ponto de vista da empresa especializada no entretenimento com animais.

A tática do SeaWorld tem sido a desqualificação de Blackfish como uma obra cinematográfica “enganadora” e “imprecisa”. Em vez de rebater os pontos principais do longa-metragem, como o fato de as orcas em cativeiro viverem menos do que as que estão nos oceanos, o SeaWorld afirmou em comunicado oficial que Cowperthwaite “explora uma tragédia que permanece como uma fonte de profunda dor para os familiares, os amigos e os colegas de Dawn Brancheau”. A diretora descreveu o contra-ataque da empresa como diversionismo.

Segundo o parque de atrações marinhas, Cowperthwaite não mencionou a sua importância como um centro de pesquisas e recuperação para as orcas e outros mamíferos que encalham em praias dos Estados Unidos e de outros países.

Embora seja um dos entrevistados de Blackfish, o ex-treinador Mark Simmons expressou a mesma opinião do SeaWorld, depois do lançamento do documentário.

As 28 orcas atualmente nas suas três sedes (San Diego, Orlando e San Antonio) estariam sob os cuidados de cerca de 1,5 mil especialistas.

O parque alega não capturar uma baleia nos oceanos há mais de 35 anos.

Cowperthwaite não reivindica o fechamento do SeaWorld. Ela acredita que o parque temático deveria parar de usar bichos para o entretenimento dos seres humanos e investir os seus lucros em zonas oceânicas protegidas.

“Eles têm recursos financeiros extraordinários e poderiam desempenhar um papel fundamental na criação de santuários marinhos com potencial para ser empreendimentos lucrativos”, escreveu a diretora.

Fundado em março de 1964, o SeaWorld revelou ter angariado a maior arrecadação da sua história no ano passado, apesar da repercussão gerada por Blackfish, que fez Willie Nelson e outros músicos cancelaram as suas performances no parque. A receita recorde de 1,4 bilhão de dólares originou-se no aumento do preço dos ingressos e do consumo per capita dentro das suas sedes.

Ao mesmo tempo, entre 2012 e 2013, o número de visitantes caiu 4,1 %, indo para 23,4 milhões. A receita pode diminuir se um projeto de lei de Richard Bloom, legislador da Califórnia, for aprovado.

Escrito em parceria com Naomi Rose, cientista marinha do Animal Welfare Institute, o projeto estabelece o banimento da performance de orcas para a diversão humana, assim como a inseminação artificial e a reprodução em cativeiro dos cetáceos.

Ele proíbe a exportação e importação interestaduais dos mamíferos marinhos. Isso significa que as dez orcas cativas na Califórnia devem permanecer dentro dos limites do estado. Bloom atribui a ideia do banimento a Blackfish. Ele ficou emocionado depois de vê-lo. Cowperthwaite e ex-treinadores estavam ao lado do legislador em 7 de março de 2014, data do anúncio do projeto que prevê prisão de até seis meses e multas de 100 mil dólares para os infratores.

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