Carta Explica

Entenda o acordo entre EUA e Cuba

Recentemente, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a revisão do acordo entre os países

que venceu a primária em New Hampshire
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No último dia 16 de junho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a revisão do acordo entre Estados Unidos e Cuba, assinado por Barack Obama em 2014. Durante comício realizado em Little Havana, na cidade de Miami, tradicional pólo de exilados cubanos nos Estados Unidos, o presidente classificou o acordo como “unilateral”. No entanto, algumas das medidas adotadas pela administração anterior devem ser mantidas.

Para entender mais sobre as possíveis mudanças e o contexto histórico entre os dois países, a Carta Educação conversou com o Professor Emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, Tullo Vigevani. Confira!

1. Quando começa o embargo entre EUA e Cuba? Por quê?
A decisão política do embargo foi tomada no início do governo do presidente John Kennedy, em 1961. O fato remete à Revolução Cubana, dirigida por Fidel Castro, que tinha se tornado vitoriosa após o Movimento 26 de Julho fazer uma guerrilha contra o governo ditatorial de Fulgêncio Batista e sair vitorioso, ingressando em Havana em 1 de janeiro de 1959.

Durante o primeiro ano de governo do Movimento 26 de Julho, os EUA não se opuseram a nova governança porque ela era composta por forças guerrilheiras mais de esquerda – sendo Che Guevara um dos representantes mais conhecidos – e por forças liberais, cuja expressão maior era o presidente eleito Manuel Urrutia.

Porém, no novo comando, acabaram prevalecendo setores mais de esquerda que tenderam a tomar medidas socialistas. Os grupos expropriaram propriedades norte-americanas, principalmente aquelas ligadas à produção de açúcar, que era e ainda é o principal produto cubano.

Consequentemente, a oposição desses proprietários norte-americanos e cubanos aumentou fortemente em 1960. A partir disso, ainda durante o governo de Dwight Eisenhower, os norte-americanos começaram a fazer uma oposição declarada ao governo cubano.

Isso se fortalece em abril de 1961, já no governo Kennedy, quando os EUA obtém o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA) e expulsam Cuba da organização durante a Conferência de Punta Del Este. Alguns governos latino-americanos, como México, Argentina e Brasil, na época governado por Jânio Quadros, se opuseram à decisão norte-americana que acabou sendo aprovada, e determinando a a suspensão de Cuba da OEA. Essa foi a origem dos problemas.

2. Outros fatores pesaram sobre a crise?

Sim. O Partido Socialista Popular de Cuba, muito fiel à URSS, em 1961, passou a participar do governo. Consequentemente, o governo de Fidel Castro buscou apoio na União Soviética. A medida foi considerada de risco pelos EUA que, por sua vez, começou a se opor violentamente ao governo.

O país norte-americano protagonizou algumas tentativas de derrubada do governo cubano, como o episódio da invasão da Baía dos Porcos, também em 1961, e a Crise dos Mísseis, que envolveu EUA e URSS, e que, apesar de quase ter levado a um guerra, foi resolvida posteriormente com a retirada dos mísseis nucleares soviéticos de Cuba.

3. Até quando perdura esta situação entre os países?

Perduram até 2015, quando o presidente Obama reatou as relações com o governo cubano.

4. O que foi o acordo proposto por Obama?

Basicamente, o acordo permitiu o restabelecimento de relações. Hoje os EUA têm uma embaixada e um embaixador em Cuba e o governo cubano também tem uma embaixada no país norte-americano. O acordo permitiu o fluxo de pessoas e de turismo, ou seja, a ida de norte-americanos a Cuba e de cubanos aos EUA; as trocas monetárias, que estavam sob regime de boicote; o envio de remessas de cubanos para os EUA; e a possibilidade de negociação de instalação de empresas norte-americanas em Cuba e cubanas nos EUA.

Esse acordo foi efetivamente levado a frente, mas os resultados econômicos ainda são modestos, já que nos EUA não há pressa em acelerar medidas concretas e os cubanos, por sua vez, são muito desconfiados da implementação dessa política. De qualquer forma, as relações foram se fortalecendo, com desdobramentos científicos, tecnológicos, de medidas sanitárias, trocas de estudantes e pesquisadores.

5. Com o acordo, o embargo a Cuba foi rompido?

Esse é um grande paradoxo do reconhecimento recíproco entre os países, porque o boicote econômico dos EUA a Cuba não foi suspenso. O cerco econômico aos cubanos virou lei aprovada pelo Congresso, e só ele poderia revogá-la. Então, ainda que hajam medidas no contexto da permissibilidade, o boicote não está revogado.

6. Como avalia o anúncio do presidente Trump de revisar esse acordo? Quais são os possíveis impactos?

Ainda é cedo para dar uma opinião clara a esse episódio. Tenho lido a imprensa norte-americana, inclusive um grupo de estudos latino americanos da American University, e a opinião majoritária é que haverá um freio nas relações entre EUA e Cuba, mas não um retrocesso pleno por parte do presidente Trump no sentido de revogar o reconhecimento de Cuba.

É esperado um esfriamento do avanço das relações e, provavelmente, a votação da suspensão das sanções não acontecerá em curto prazo e, portanto, as relações econômicas entre os dois países não se fortalecerão.

Uma preocupação grande da equipe do presidente Obama, que acompanhava de forma específica as relações com Cuba, era estabelecer regras e procedimentos para que os retrocessos ficassem difíceis. Na minha opinião, haverá algum retrocesso, mas a revogação completa das medidas não é possível.

7. De qual retrocesso o senhor fala?

Da não suspensão das sanções. Esse é o maior retrocesso possível porque a ideia de Obama e de Raul Castro era que isso fosse negociado vagarosamente. Um dos aspectos importantes é que o presidente Trump certamente se apoiou no exílio cubano que está nos EUA, têm grande peso na Flórida e consegue eleger em algumas circunscrições representantes ligados a eles. Entre os candidatos a presidente pelo Partido Republicano havia inclusive um de origem cubana.

Isso revela, a meu ver, uma tendência nacionalista e protecionista própria do governo Trump, mas não diretamente vinculada a perspectiva anticubana que existiu depois da Revolução Cubana.

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