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Opinião

Ariano Suassuna em verso, 
teatro e prosa

Agitador cultural, mais por sonho do que ideologia, Ariano Suassuna usou todas as artes para dizer todas as coisas

Ariano Suassuna|
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Nascido em junho de 1927, em Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa (PB), Ariano Vilar Suassuna começou sua obra pela poesia. Seu maior sucesso, porém, foi no teatro e seu maior triunfo junto à crítica foi no romance.

Ele também ilustrou os próprios livros e produziu “iluminogravuras” misturando desenhos e versos. Na música, criou o Movimento Armorial, de onde saíram o Quinteto e a Orquestra Armorial, além de uma concepção musical bem-aceita.

Morto no fim de julho de 2014, aos 87 anos, Ariano Suassuna foi um agitador cultural, não por ideologia política ou partidária (embora as incluísse), mas por ter um sonho maior, uma tentativa de usar todas as artes para dizer todas as coisas. Era um falador compulsivo e grande contador de histórias.

Publicou seu primeiro poema, Noturno, aos 18 anos: “Têm para mim Chamados de outro mundo / as Noites perigosas e queimadas…”. Sua infância foi marcada pela presença dos violeiros repentistas, dos autores de folhetos de cordel, dos poetas de feira. Por outro lado, tinha uma tendência ao simbólico e ao emblemático. Usava com a mesma fluência o soneto e o martelo agalopado.

Clássico na métrica (usa as formas fixas muito mais que o verso livre), é moderno na maneira épica e distanciada com que contempla o “circo do mundo”. Tanto tinha talento para capturar a palavra mais sonora quanto para produzir uma imagem visual vívida no leitor.

Seus poemas foram reunidos por Carlos Newton Jr. em Poemas (Editora Universitária da UFPE, 1999). Ali estão, por exemplo, as cartas em versos que ele trocava com Manuel de Lira Flores, poeta popular com quem se correspondeu por algum tempo, depois que, ainda muito jovem, organizou uma noitada de cantadores numa noite estudantil no Teatro Santa Isabel. Alguns autores que ele dizia admirar, e recitava de cor, eram Calderón de la Barca, García Lorca e Fernando Pessoa.

O temperamento conversador e articulador de Suassuna encontrou o meio ambiente ideal, quando entrou na Faculdade de Direito do Recife. Em 1946, no Teatro do Estudante de Pernambuco, ele conheceu um de seus primeiros grandes incentivadores, o escritor Hermilo Borba Filho. Foram os primeiros contatos dele com o palco, onde afinou seu ouvido como autor.

O teatro de Hermilo tinha alguma coisa do teatro de García Lorca, morto recente na brutalidade da Guerra Civil Espanhola (1926-1939). Era o tradicional carroção-palco que sai de estrada em estrada, de porta em porta. Suas primeiras peças foram sendo escritas e montadas, até que, em 1955, ele escreveu a que se tornou mais divulgada, O Auto da Compadecida, sucesso nacional em 1957 ao ser encenada no Rio de Janeiro.

Ariano Suassuna dizia algumas vezes que considerava sua melhor peça a que é provavelmente a mais longa: A Farsa da Boa Preguiça (1960, montada em 1961), uma farsa moralista bem-humorada sobre a influência dos santos na vida de um poeta folgazão. Elas compõem um grupo de textos com mais peso, que inclui Uma Mulher Vestida de Sol e O Santo e a Porca (publicadas em 1964), A Pena e a Lei (escrita em 1959, publicada em 1971), e outras.

Suas peças, com exceção de Uma Mulher Vestida de Sol, são textos cheios de humor, de travessuras, de mal-entendidos, de tudo que faz o teatro de feira e o circo. Ele usa sua formação clássica para armar uma trama bem articulada, mas também emprega histórias da memória coletiva, da tradição oral. Seu teatro, nessas comédias populares, é carregado de linguagem coloquial, de bordões humorísticos, de esquetes circenses, pequenos episódios que podem, inclusive, ser destacados da peça principal e encenados soltos.

O principal romance de Ariano Suassuna foi escrito entre 1958 e 1970, e publicado em 1971. É chamado geralmente de A Pedra do Reino, mas o título oficial é Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. É a história de Pedro Dinis Quaderna, intelectual desocupado e boêmio da Vila de Taperoá, que se descobre descendente do homem que liderou um movimento de fanáticos da Pedra Bonita. Afirmando-se imperador, ele tentou lavar com sangue aquela pedra para desencantar um reinado.

Quaderna pensa em tornar-se Imperador do Brasil, e para isso conta com dois mestres. Samuel Wand’Ernes é branco, católico, conservador, amante das coisas ibéricas. Clemente Ravasco é negro, mestiço de índio, comunista e ateu. Uma das graças do romance é ver Quaderna tentando acomodar num denominador comum as lições que recebe dos seus amigos que brigam o tempo todo entre si.

O romance é ao mesmo tempo épico (porque tem cenas de batalha, e personagens heroicas) e humorístico: é cheio de trocadilhos, frases feitas da cultura oral, bordões maldosos, historietas cheias de malícia. É um romance policial (quem matou o fidalgo no alto da torre, e como escapou sem ser visto?) e um romance político (uma sátira meio kafkiana ao poder político da capital vencedora sobre o sertão subjugado). Quaderna é uma mistura de Dom Quixote e Sancho Pança, alternadamente megalomaníaco e espertalhão.

* Publicado originalmente em Carta na Escola 

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