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Opinião

A valorização dos profissionais da educação

Valorizar os professores é condição fundamental para a melhoria da escola pública, e deve integrar as políticas públicas

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Créditos: EBC |
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Por Heleno Araújo*

Ensinar e aprender faz parte da natureza humana, e o processo de formação do cidadão e da cidadã ocorre desde o nascimento, através de ações contínuas que organizam a forma de ser de uma sociedade. Nesse contexto, o profissional da educação ocupa lugar central, cumprindo a tarefa de cuidar da formação dos que chegam até a escola.

O trabalho dos profissionais da educação necessita de condições adequadas para ser realizado com sucesso. E garantir as condições de trabalho para os que estão em exercício na escola e nas secretarias de educação, tornando a profissão atrativa para a juventude, é responsabilidade do Estado, assim como assegurar qualidade de vida para os profissionais no momento da aposentadoria. Essas responsabilidades estão explícitas nas legislações que tratam dos direitos trabalhistas e sociais.

A última década foi marcada por avanços significativos na legislação nacional acerca dos direitos trabalhistas dos/as educadores/as das escolas públicas, mas ainda é preciso concretizar as vitórias no dia a dia das redes estaduais, distrital e municipais de educação, contrapondo a ofensiva neoliberal de retirada de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.

Assim sendo, é fundamental que os planos decenais de educação (nacional e subnacionais) orientem a instituição de planos de carreira para os profissionais da educação em todos os entes da federação, abrangendo os elementos indissociáveis da valorização profissional, que são: salário digno, carreira atraente, jornada compatível com os afazeres escolares, inclusive para garantir a presença de todos os profissionais em cursos de formação inicial e continuada e no processo de elaboração e condução dos projetos político-pedagógicos das escolas.

No que tange ao magistério, que teve o piso salarial profissional nacional regulamentado em 2008, através da Lei nº 11.738, a luta da categoria continua pautada na aplicação imediata e integral da referida Lei, julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em abril de 2011 – e na contraposição às tentativas dos gestores de vincular o reajuste do piso somente à inflação, abaixo dela, ou em patamares insuficientes para a consecução da meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei 13.005). Esta lei, por sua vez, determina que a renda média do magistério seja igualada à dos demais profissionais com mesmo nível de escolaridade, em um prazo de 6 anos. Em 2016, essa diferença era de quase 50%!

O piso do magistério é a referência mínima para os vencimentos de carreira em todo país, o que não impede de estados e municípios praticarem vencimentos superiores a ele, inclusive para jornadas de trabalho abaixo das 40 horas semanais, conforme dispõe a Lei do Piso.

Com relação à jornada de trabalho, é prevista na Lei do Piso do Magistério uma proporção mínima de 1/3 (um terço) para atividades de preparação de aulas, correção de provas e trabalhos, reuniões pedagógicas e com os pais, formação continuada no local de trabalho ou em instituições credenciadas, entre outras formas apontadas no Parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CEB/CNE nº 18/2012. Isso é essencial para a qualidade do trabalho dos profissionais, não devendo ser substituída por remuneração compensatória.

Já o art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), introduzido pela Lei nº 12.014, de 2009, reconheceu a categoria dos funcionários da educação como um dos três segmentos de profissionais que atuam nas escolas públicas, à luz da 21ª Área Profissional de Apoio Escolar, instituída pela Resolução CEB/CNE nº 5/2005. E compõe a luta pela valorização desses trabalhadores escolares, além da carreira e da profissionalização – sobretudo por meio do programa Profuncionário –, a regulamentação do piso salarial nacional dos profissionais da educação. Esse piso deve servir de base para outra regulamentação condizente às diretrizes nacionais para a carreira dos/as trabalhadores/as escolares, ambas amparadas pelo art. 206, incisos V e VIII da Constituição Federal (CF-1988) e a meta 18 do PNE.

Portanto, mais que ações necessárias para valorizar os profissionais das escolas públicas, o piso, a carreira e a jornada com período extraclasse, além da formação profissional e das condições apropriadas de trabalho, constituem direito dos estudantes e da sociedade em geral à educação pública de qualidade.

Diante desta perspectiva, a CNTE e seus sindicatos filiados defendem a valorização dos/as trabalhadores/as em educação tanto no contexto de classe social, historicamente desvalorizada em nosso País, como uma condição sine qua non para a melhoria da escola pública, devendo integrar as políticas sistêmicas de investimento na educação.

A qualidade educacional, entre outras questões, requer a regulamentação do Custo Aluno Qualidade – CAQ (estratégias 20.6 a 20.8 do PNE), assim como a implementação de amplo conjunto de políticas públicas capazes de garantir o acesso, a permanência e a aprendizagem dos estudantes. De modo que as condições de trabalho dos profissionais da educação representam parte importante desse objetivo, ao lado da infraestrutura escolar, dos mecanismos de gestão democrática (que permitam a construção de projetos político-pedagógicos engajados com os anseios da comunidade), além da garantia de todos os insumos necessários ao padrão de qualidade (CAQ) reivindicado pela sociedade para a escola pública.

Sobre a infraestrutura, que respalda o trabalho dos profissionais nas escolas, recente estudo de pesquisadores das Universidades de Brasília (UnB) e de Santa Catarina (UFSC) mostrou que menos de 1% das escolas brasileiras têm infraestrutura ideal – apenas 0,6% contam com biblioteca, laboratório de informática, quadra esportiva, laboratório de ciências e dependências adequadas para a socialização dos estudantes em atividades extraclasse.

Outra questão que interfere nas condições de trabalho nas escolas diz respeito à forma de contratação dos profissionais. Aqueles que detêm contrato precário e temporário, além de não terem acesso a políticas de formação e valorização profissional, também não conseguem manter vínculo com a escola e seus atores, prejudicando o trabalho e as parcerias pedagógicas.

Porém, na contramão da estratégia 18.1 do PNE, que determina a contratação de profissionais efetivos (concursados) em pelo menos 90% dos postos de trabalho no magistério público e 50% entre os demais profissionais que atuam nas escolas públicas, a Reforma Trabalhista, aliada ao processo de privatização escolar através de Organizações Sociais e a nova Lei da Terceirização avançam na precarização do trabalho dos profissionais da educação. Sem falar na “Reforma do Ensino Médio”, que avança na (des) profissionalização da carreira do magistério ao admitir a contratação de quaisquer profissionais por “notório saber” para ministrar aulas na modalidade de Educação Técnica-Profissional.

Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE)

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