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Opinião

A poesia do cálculo

Obras trabalham resolução de problemas 
por meio de versos e trovas

Matemática||
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As várias propostas de ensino de Matemática enfatizam o desenvolvimento do raciocínio e recomendam explorar conexões entre a disciplina e outros conhecimentos. Entretanto, nas salas de aula, o treino maçante de técnicas de cálculos descontextualizadas é a atividade mais frequente. Embora o MEC e muitas secretarias de ensino insistam que Matemática não se reduz a “fazer contas”, essa mensagem ainda não alterou a prática de boa parte do professorado.

Os problemas matemáticos, exercícios fundamentais para o raciocínio, nem sempre estão presentes ou eles são tão estereotipados que não passam de nova roupagem para o treino de cálculo.

Não é fácil desenvolver a resolução de problemas em sala de aula. Nem sempre o livro didático atende a essa demanda e os professores, com suas difíceis condições de trabalho, não dispõem de tempo para selecionar problemas adequados. É preciso enfrentar ainda a barreira da linguagem nos problemas matemáticos. Poucos educadores são preparados nos cursos de formação para lidar com essas dificuldades.

Assim, trabalhar com problemas constitui um dilema para quem leciona Matemática. Diante desse quadro, são bem-vindas obras que auxiliem o trabalho nesse campo, como os dois lançamentos a seguir.

poema-problema

O primeiro, Poemas Problemas, de Renata Bueno, publicado pela Editora do Brasil, obteve primeiro lugar na categoria de didáticos e paradidáticos no Prêmio Jabuti de 2013.

O trabalho reúne 17 problemas rimados e um suplemento com atividades para sala de aula. As ilustrações da própria autora merecem destaque pelo bom gosto e elegância. Oferecem oportunidade para novas questões matemáticas e o suplemento dá uma ideia de como o professor pode aproveitá-las.

Com dificuldade variável, a maioria dos problemas é adequada para o 2º e o 3º ano do Fundamental (em muitas escolas públicas, porém, a adequação seria para 3º e 4º anos). A autora demonstra estar a par das recomendações mais recentes em educação matemática, com problemas focados no raciocínio lógico, na geometria e em outros temas que não envolvem cálculo.

Podemos nos perguntar se problemas rimados trariam benefícios para a sala de aula ou tornariam os enunciados mais impenetráveis. Convém lembrar que versos não são estranhos à tradição matemática. A produção dos matemáticos indianos entre os séculos IV e XII foi escrita em versos. Como naquele tempo os matemáticos expunham seus procedimentos com palavras (ainda não se conheciam as fórmulas da linguagem algébrica), os versos ajudavam a memorizar o que era apresentado.

No século XXI, problemas em verso continuam facilitando a retenção do texto na memória, como ocorria com os antigos matemáticos. A permanência do texto ajuda o aluno a analisar cada uma de suas particularidades, possibilitando conectar os dados fornecidos, contribuindo para o entendimento do problema e sua resolução.

Imagino uma sala de aula em que o professor escolhe um problema-poema, pede sua leitura, leva as crianças a comentar as rimas, pede uma segunda leitura com ritmo, escolhe alunos para explicar como entenderam um verso, pergunta o que se deseja saber no problema. Finalmente, a professora aponta um ou mais alunos para apresentar e explicar oralmente a solução.

Nessa gestão da resolução ocorrerá mais diálogo, questionamento e troca de ideias em torno do problema rimado do que de um enunciado em prosa, menos atraente. As rimas e o ritmo auxiliam o professor a fazer os alunos refletirem por si mesmos e se aproximarem do objetivo pouco trabalhado de desenvolver o raciocínio. Nessas atividades o foco não se limita à Matemática, envolvendo também a leitura e a interpretação dos textos.

Entretanto, o texto poderia ser ainda melhor se os poemas fossem verdadeiros. Sim, todos têm rimas, mas rimas apenas não fazem poemas, especialmente rimas óbvias como pracinha/casquinha. Aspectos mais fundamentais na poesia são o ritmo e um trabalho de linguagem que vez ou outra supera o lugar-comum, o que raramente acontece nos exemplos reunidos em Poemas Problemas.

Outra obra interessante é Conte Aqui Que Eu Canto Lá, de Rosane Pamplona, publicada pela Melhoramentos. Não é diretamente ligada à resolução de problemas, mas, como engloba textos com referência matemática, contribui nesse campo. O foco está nas trovas, canções e parlendas voltadas para o aprendizado básico dos números. Em alguns casos elas ultrapassam as noções iniciais e apresentam situações de adição, subtração ou multiplicação. O universo matemático é, portanto, o do final da pré-escola e do 1º ano do Fundamental, em uma ou duas ocasiões alcançando o 2º ano.

A maior parte dos textos é conhecida, como a cançoneta Mariana conta um ou as rimas de Um, dois: feijão com arroz. Não se pode negar que a autora tenha feito um bom trabalho ao reunir textos atraentes para crianças, acoplá-los à partitura musical quando os versos são acompanhados por melodias, separá-los em capítulo, conforme o tema matemático tratado, e adaptá-los, acrescentando algumas adivinhas e pegadinhas.

Já foi dito que textos rimados são mais fáceis de memorizar. Quando cantados, essa propriedade é mais evidente ainda. Os professores dispõem de um recurso não apenas útil, mas capaz de contribuir para momentos de prazer.

A maior parte desse livro é adequada para crianças que ainda não chegaram ao 2º ano e que a autora não foca especialmente os problemas. Entretanto, há uma questão inusitada e difícil, porque quase ninguém tem a informação necessária para resolvê-lo, que o livro fornece apenas no final. Esse problema, deixamos para o leitor: Vou fazer uma pergunta/pra você me responder: vinte e cinco casais de gatos,/quantas unhas devem ter?

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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